SÃO PAULO – Em uma derrota para o governo federal, o Senado Federal decidiu, nesta quarta-feira (20), derrubar o veto do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) que impedia a concessão de reajustes a algumas carreiras do funcionalismo público até o fim de 2021. O tema é uma das bombas fiscais de uma pauta ainda pendente de análise pelo Congresso Nacional.
O texto, que colocava profissionais de segurança pública, saúde, e educação em uma lista de exceções sobre as quais a restrição a reajustes salariais não recairia, havia sido aprovado pelos parlamentares dentro do pacote de socorro financeiro a estados e municípios, mas acabou sendo barrada por Bolsonaro após pressão da equipe econômica e em acordo com governadores e prefeitos.
O veto é considerado por agentes do mercado financeiro como uma garantia de compromisso fiscal do governo federal em meio à expansão nos gastos públicos provocados pela crise sanitária. Sua derrubada pode afetar a credibilidade do país e agravar a situação das contas públicas em um momento em que se estima que a dívida bruta supere a marca de 95% do PIB (Produto Interno Bruto) neste ano. O Ministério da Economia chegou a estimar que o veto garantiria uma economia fiscal entre R$ 121 bilhões e R$ 132 bilhões.
Foram 42 votos pela derrubada do veto e 30 votos contrários. O resultado pegou de surpresa não apenas membros do governo, mas alguns senadores que trabalhavam para derrotar o Palácio do Planalto no tema. Com isso, os articuladores políticos do governo pediram mais tempo para negociar e tentar manter o veto vigente.
O tema ainda precisa ser analisado pela Câmara dos Deputados – a sessão acabou adiada para quinta-feira (20), às 15h (horário de Brasília). Para a rejeição de um veto, é necessária maioria absoluta dos votos nas duas casas legislativas, ou seja, de pelo menos 257 deputados federais e 41 senadores. Caso não se atinja este patamar mínimo de votação em uma das casas, o veto é mantido.
Entre deputados, a avaliação é que havia elevado risco de o Palácio do Planalto também ser derrotado na Câmara dos Deputados. O adiamento da votação dá fôlego para que o novo líder do governo, Ricardo Barros (PP-PR), trabalhe para reorganizar a base de apoio em defesa do veto.
“Se forem mal sucedidos há razoáveis chances do veto cair, já que a oposição tem cerca de 130 votos e são necessários só 257 para derrubar o veto”, observa a equipe de análise política da XP Investimentos. Agora, os canhões das corporações se voltam contra os deputados a menos de três meses das eleições municipais.
Poucas horas depois da votação, o ministro Paulo Guedes, da Economia, subiu o tom contra os senadores. “Colocamos muito recurso na crise da saúde, e o Senado deu um sinal muito ruim permitindo que justamente recursos que foram para a crise da saúde possam se transformar em aumento de salário. Isso é um péssimo sinal”, afirmou.
“Pegar dinheiro de saúde e permitir que se transforme em aumento de salário para o funcionalismo é um crime contra o país”, disse após encontro com o ministro Rogério Marinho, do Desenvolvimento Regional. Os dois protagonizaram embates por recursos orçamentários e o reencontro, que poderia representar uma trégua, foi ofuscado pela dura derrota sofrida pelos fiscalistas nesta noite.
O veto a reajustes de salários de servidores era parte de acordo entre o governo federal e representantes de estados e municípios, como contrapartida para o repasse de R$ 120 bilhões no pacote de socorro para o enfrentamento à pandemia do novo coronavírus. Os recursos seriam uma espécie de contrapartida para as perdas de arrecadação sofridas pelos entes subnacionais.
Para além do potencial impacto sobre as contas públicas, a derrubada do veto pode ser uma sinalização eloquente das dificuldades enfrentadas pelo governo federal em retomar o debate sobre ajuste fiscal e mostrar em atitudes sua capacidade de cumprir com o teto de gastos.
“O sinal é péssimo”, observam os analistas da XP. “Se as corporações continuarem com tanta força na comparação com o governo, votar gatilhos para o teto de gastos será um desafio bastante duro”.
O texto vetado colocava profissionais de segurança pública, saúde, e educação, além de militares, trabalhadores de limpeza urbana, agentes penitenciários, assistentes sociais e trabalhadores de serviços funerários em uma lista de exceções à proibição de reajustes e contagem de tempo no serviço público.
A contagem do tempo de serviço serve para progressão de carreira, concessão de aposentadoria e acúmulo de licenças e gratificações. Com a derrubada do veto, os estados e municípios também poderão usar o dinheiro recebido do auxílio federal para concederem os reajustes salariais.
Defensores do veto argumentam, ainda, que o dispositivo não representa uma obrigação de aumento de salários, mas apenas deixa essa decisão a cargo dos prefeitos e governadores no caso dos trabalhadores da linha de frente.
Nos bastidores, porém, muitos gestores estaduais e municipais demonstravam alívio com o veto, já que o instrumento reduzia o nível de pressão das corporações por aumentos no curto prazo, em um momento em que a situação das contas de estados e municípios se agrava.
Debate
O senador Major Olimpio (PSL-SP) foi o primeiro a defender a derrubada do veto durante a sessão. Para ele, o “congelamento” de salário como contrapartida para o auxílio federativo é desnecessário, pois o setor público já terá dificuldades naturais para conceder reajustes.
Além disso, a regra é “desumana” com os trabalhadores mais importantes neste momento, disse o senador
“Em todos os países do mundo quem está na guerra é condecorado. Nós estamos tirando [direitos]”, afirmou.
A senadora Daniella Ribeiro (PP-PB) observou que os servidores das categorias destacadas estão mais vulneráveis ao novo coronavírus, pela natureza das suas atividades.
“Esses profissionais não podem trabalhar remotamente, eles têm que se expor. Têm que ter as suas proteções garantidas”, disse.
Os senadores Alvaro Dias (Podemos-PR), Izalci Lucas (PSDB-DF) e Rogério Carvalho (PT-SE) defenderam que o dispositivo não representa uma obrigação de aumento de salários, mas apenas deixa essa decisão a cargo dos gestores no caso dos trabalhadores da linha de frente.
Já o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) alertou que profissionais da segurança e da saúde estão entre os mais vitimados pela pandemia, e seus esforços estão “salvando os brasileiros”.
Líder do governo no Congresso, o senador Eduardo Gomes (MDB-TO) rejeitou a ideia de que o veto demonstre “insensibilidade” do Executivo. Ele argumentou que o impacto financeiro dessa liberação poderá prejudicar outras ações de combate à pandemia.
“Talvez estejamos impossibilitando a população do Brasil inteiro de receber a possível sexta parcela do auxílio emergencial. Há um contexto”, alertou.
O senador Marcos Rogério (DEM-RO) também chamou atenção para o peso fiscal de eventuais reajustes salariais, e disse que a medida seria um “sacrifício necessário” dos servidores em face da situação enfrentada pelos demais cidadãos. O senador Márcio Bittar (MDB-AC) também bateu nessa tecla.
“Os servidores públicos continuam recebendo em dia enquanto milhares de brasileiros estão perdendo seus empregos”, disse.
(com Agência Senado)
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