Três réus foram condenados por lesão corporal leve e outros dois acabaram absolvidos. Promotor afirma que reclamações de juiz contaminou análise dos jurados.
O Ministério Público de São Paulo recorreu da condenação em júri popular dos cinco réus acusados de matarem a jovem transexual Laura Vermont, na Zona Leste de São Paulo, em 2015. Ela tinha 18 anos quando foi morta. A alegação do promotor do caso, João Carlos Calsavara, é de parcialidade por parte dos jurados e do juiz durante o julgamento.
Cinco homens responderam pelo crime nos dias 11 e 12 de maio e três deles foram condenados por lesão corporal leve: Van Basten Bizarrias de Jesus, Iago Bizarrias de Deus e Wilson de Jesus Marcolino. Jefferson Rodrigues Paulo e Bruno Rodrigues de Oliveira foram absolvidos.
A família de Laura deixou o Fórum da Barra Funda, Zona Oeste da capital, inconformada com o resultado e prometeu recorrer. A ação foi feita pelo promotor junto do advogado da família, José Beraldo, que atuou como assistente de acusação contra os cinco réus.
Em recurso protocolado no domingo, 14 de maio, o promotor afirma que três dos jurados atuaram de forma parcial no julgamento por reclamarem de conversas dos assistentes de acusação. Dois advogados contratados pela família de Laura atuaram em auxílio ao MP.
Calsavara diz que o juiz do caso, Roberto Zanichelli Cintra, da 1ª Vara do Júri, questionou se as conversas atrapalhavam os jurados, com parte deles concordando com a cabeça.
“Ora, no momento em que o juiz reclama dos advogados em voz alta, porque discutindo teses sobre o processo e mais, chama os jurados a participarem da ‘bronca’, indagando-os se também estavam incomodados com a conversa e os mesmos aquiescem com a cabeça, certamente o júri foi contaminado”, sustenta o promotor, dizendo que os demais jurados foram influenciados pelos demais e pelo juiz.
Outra reclamação feita pela acusação é o fato de o magistrado apresentar a lesão corporal ocorrida como “leve”. O MP buscava a condenação dos cinco homens por homicídio, o que foi afastado pelos sete jurados.
“Os jurados foram suspeitos, totalmente. Uma raiva contra os acusadores, o promotor e eu, e o juiz a todo o tempo chamava a nossa atenção porque eu aparteava, o que é a direito nosso, e os jurados concordavam”, afirma ao g1 o advogado Beraldo.
Segundo ele, os jurados estavam “predispostos” a considerar que os réus não mataram Laura, mas existia a possibilidade de ela ter sido morta pelos policiais militares – como defendeu a Defensoria Pública, que representou os cinco homens.
Laudo do Instituto Médico-Legal (IML) concluiu que a causa da morte da jovem foi em decorrência do traumatismo craniano que ela sofreu. Exames médicos apontaram que a vítima morreu de “traumatismo cranioencefálico causado por agente contundente”.
Alegação de transfobia
Zilda Vermont, mãe de Laura, reclamou do tratamento dado à sua filha ao longo do julgamento. Em determinados momentos, o nome de registro de Laura era citado em vez de seu nome social.
“A Justiça não respeita pessoas trans”, disse Zilda. “Quem perdeu a filha fui eu e olha o que acontece. Muita baixaria, muita mentira. Eu não vou ter a minha filha de volta, mas justiça eu quero. Laura eu perdi, não tenho mais”.
Houve, em outros momentos, falas por parte do promotor Calsavara que compararam a masculinidade dos cinco homens julgados pela morte com a masculinidade de Laura, além de se referir à jovem com o pronome “ele”.
“[Os agressores] Estão na dúvida se Laura era mais homem do que eles. Se tinha um homem na história era ela. Era corajosa, não merecia morrer como morreu”, disse o promotor João Carlos Calsavara, que acusava os réus de matar Laura e, por consequência, representava a família da jovem trans no tribunal.
O uso de termos transfóbicos prosseguiu no pedido de anulação do júri. “Demais disso, sequer notaram os jurados que os acusados confessaram em plenário que foram desferidas pauladas na vítima travesti, vestida como mulher, de minisaia, blusa e totalmente ensanguentada”, afirma o promotor, no documento.
Após a leitura da sentença na sexta-feira (12), a família afirmou que representaria contra o promotor Calsavara pelo tratamento dado à Laura durante o júri. Zilda afirmou ao g1 que pretende ir à Corregedoria do MP de São Paulo na próxima semana.
“E eu quero falar que a Laura não era travesti e sim uma mulher trans. Vou fazer um apelo que parem de chamar minha filha de travesti”, afirmou Zilda.
O advogado José Beraldo alega que Zilda e os demais parentes estão transtornados com o resultado e tenta demovê-los de fazer uma denúncia formal.
“O promotor fez tudo o que podia, eu também”, diz Beraldo. “Vou explicar para a família, dizendo que não procede essa representação contra o promotor e que nós estamos fazendo o recurso porque eu tenho certeza de que nós vamos anular esse júri”.
Nota: o g1 utilizou o termo “travesti” nas matérias referentes à morte de Laura Vermont por ser o modo como ela se identificava à época. Após pedido da família, as reportagens passam a identificá-la como “jovem trans” e “mulher trans”.