Revelações sobre obstrução na investigação destacam importância da autonomia na perícia oficial.
O assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, cuja investigação apontou os mandantes do crime e forneceu detalhes sobre a obstrução de Justiça que quase impediu sua elucidação, é mais um exemplo flagrante da urgência em conferir independência à atuação da Polícia Científica em relação à Polícia Civil.
O crime político, que ganhou repercussão mundial, ocorreu em 2018, mas só foi elucidado 6 anos depois. Uma série de interferências na condução da investigação sublinham a necessidade urgente de uma perícia não vinculada à Polícia Civil, capaz de conduzir análises técnicas com imparcialidade e independência.
Falhas comprometedoras
O carro onde Marielle e Anderson estavam foi periciado na noite do crime e ficou 41 dias na Delegacia de Homicídios, sem a devida preservação, antes de ser enviado para nova perícia no Instituto Carlos Ebóli. Ausência da devida preservação do veículo pode ter comprometido a análise de vestígios que ajudariam a esclarecer a dinâmica dos fatos.
Outro problema que dificultou a realização de exames periciais completos foi a perda das imagens oficiais feitas pelos legistas dos corpos de Marielle e de Anderson. As fotografias não puderam ser analisadas por um problema que foi atribuído a um defeito no cartão de memória da câmera fotográfica.
Segundo divulgado na imprensa, não havia imagens de câmeras do local do crime e as cápsulas de projéteis na cena do crime foram recolhidas de maneira indevida. “Uma perícia desvinculada da Polícia Civil tem imparcialidade e autonomia não só para conduzir análises isentas, mas também para denunciar violações a locais de crime, como prevê o Código de Processo Penal, e aos procedimentos no decorrer de uma investigação, garantindo que a Justiça seja feita”, explica Eduardo Becker, presidente do Sindicato dos Peritos Criminais do Estado de São Paulo (SINPCRESP).
Isso acontece porque a Polícia Científica utiliza métodos científicos para analisar desde o corpo da vítima e do suspeito até a arma do crime, contribuindo decisivamente para a condenação dos culpados ou absolvição dos inocentes. “Uma instituição pericial autônoma plenamente tem a independência e imparcialidade necessária, inclusive, para denunciar tentativas de ingerência na perícia por parte de outras instituições ou pessoas. Hoje, nos órgãos de perícia que não possuem autonomia plena, isso não é possível porque os peritos são subordinados à Polícia Civil”, comenta Becker.
Nesse contexto, não causa estranhamento que o Sindicato dos Peritos Oficiais do Estado do Rio (SINDPERJ) tenha se manifestado publicamente pedindo a desvinculação da Polícia Civil e afirmando que os peritos oficiais são reféns da Polícia Civil do RJ.
Direitos Humanos
A autonomia da perícia é fundamental para a promoção dos Direitos Humanos e para garantir julgamentos justos. Organizações como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Anistia Internacional, Conselho Nacional de Justiça, Human Rights Watch e a ONU enfatizam a importância dessa independência e entendem que ela é um pilar para a consolidação de um sistema de justiça que respeite os direitos fundamentais e promova a verdadeira justiça. “Esperamos que a classe política se sensibilize para a votação da PEC 76/2019, que confere autonomia a todos os órgãos de perícia oficial do Brasil. Aprovando a independência da perícia, os parlamentares têm nas mãos a chance de contribuir para o reforço do combate à criminalidade e da Justiça no Brasil. Só há Justiça, de fato, se houver uma perícia independente e isenta”, completa Becker.
O presidente do SINPCRESP, Eduardo Becker