SÃO PAULO – Um dia após o Senado Federal votar pela rejeição do veto do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) que impedia a concessão de reajustes a algumas carreiras do funcionalismo público até o fim de 2021, o assunto é discutido em sessão virtual pela Câmara dos Deputados. Para que o veto seja derrubado, é necessário o voto de ao menos 257 deputados. Acompanhe ao vivo pelo vídeo acima a partir das 15h (horário de Brasília).
Desde que foi derrotado pelos senadores, o governo federal tem trabalhado junto a parlamentares para evitar que o veto seja derrubado – o que poderia implicar em um impacto de até R$ 130 bilhões para os cofres públicos, segundo cálculos do Ministério da Economia. A expectativa era que o tema pudesse ser votado ontem (19), mas os articuladores do governo conseguiram o adiamento da discussão, o que deu tempo para que o Palácio do Planalto trabalhasse para organizar uma base de apoio pela manutenção do dispositivo.
Entre líderes da Câmara, ontem havia uma avaliação de que, se o veto fosse submetido a votação naquela data, dificilmente Bolsonaro escaparia de uma expressiva derrota em plenário. Mas o tempo ajudou na organização de um corpo a corpo junto a lideranças e bancadas e agora o ambiente é de maior otimismo entre os fiscalistas, a despeito do risco de traições.
Além de representantes do próprio governo, uma série de líderes partidários trabalham para que o veto não seja derrubado. A votação polêmica marca a estréia do experiente deputado federal Ricardo Barros (PP-PR) como líder do governo na casa legislativa. Durante toda manhã, ele conversou com parlamentares e contou votos para verificar se havia apoio suficiente para evitar uma nova derrota.
Após reunião com líderes realizada nesta manhã, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), defendeu a manutenção do veto como uma importante sinalização em direção ao equilíbrio fiscal. Para ele, não dá para o setor público não dar sua contribuição em meio à crise provocada pela pandemia.
“A reunião de hoje com os líderes do governo, com os líderes dos partidos, é uma reunião da nossa responsabilidade com o país. Tinham partidos que são da base, partidos que são independentes. Mas todos esses partidos, desde o governo do presidente Michel Temer (MDB), a gente tem trabalhado junto e votado junto esse caminho do equilíbrio fiscal, do respeito ao controle de gasto”, disse.
O deputado também procurou quebrar a narrativa de que a manutenção do veto seria contra servidores públicos. A pressão das corporações sobre os parlamentares tem sido intensa – ontem, muitos deputados alegavam dificuldades em votar com o governo, após a posição dos senadores.
“Foram R$ 60 bilhões garantindo recursos para o caixa de estados e municípios, para o caixa da saúde de estados e municípios com esse objetivo, para que a saúde pudesse ampliar suas despesas e para que o salário dos servidores fosse garantido. O que nós queremos é deixar claro que a manutenção do veto de forma nenhuma vai contra os servidores, muito pelo contrário, vai a favor do servidor público”, disse.
Entenda o caso
O veto, que colocava profissionais de segurança pública, saúde, e educação em uma lista de exceções sobre as quais a restrição a reajustes salariais não recairia, havia sido aprovado pelos parlamentares dentro do pacote de socorro financeiro a estados e municípios, mas acabou sendo barrada por Bolsonaro após pressão da equipe econômica e em acordo com governadores e prefeitos.
O congelamento de salários de servidores é considerado por agentes do mercado financeiro como uma garantia de compromisso fiscal do governo, em meio à expansão de gastos provocados pela crise sanitária. Sua derrubada pode afetar a credibilidade do país e agravar a situação das contas públicas em um momento em que se estima que a dívida bruta supere a marca de 95% do PIB (Produto Interno Bruto) neste ano. O Ministério da Economia chegou a estimar que o veto garantiria uma economia fiscal entre R$ 121 bilhões e R$ 132 bilhões.
Foram 42 votos pela derrubada do veto e 30 votos contrários no Senado Federal – resultado que surpreendeu até mesmo alguns membros da oposição que trabalhavam pela rejeição do dispositivo. Poucas horas após a votação, o ministro Paulo Guedes, da Economia, subiu o tom e disse que os parlamentares davam “um péssimo sinal”.
“Pegar dinheiro de saúde e permitir que se transforme em aumento de salário para o funcionalismo é um crime contra o país”, disse. A fala provocou um incômodo geral entre os legisladores. E foi duramente criticada por Maia e pelos líderes partidários nesta manhã.
“Não nos ajuda o ministro da Economia atacar o Senado Federal. Isso inclusive atrapalha e pode contaminar o nosso processo de votação. Então, nosso respeito ao Senado Federal, à sua independência e à democracia e à liberdade do voto de cada um dos senadores”, disse o presidente da Câmara dos Deputados.
O veto a reajustes de salários de servidores era parte de acordo entre o governo federal e representantes de estados e municípios, como contrapartida para o repasse de R$ 120 bilhões no pacote de socorro para o enfrentamento à pandemia do novo coronavírus. Os recursos seriam uma espécie de contrapartida para as perdas de arrecadação sofridas pelos entes subnacionais.
Para além do potencial impacto sobre as contas públicas, a derrubada do veto pode ser uma sinalização eloquente das dificuldades enfrentadas pelo governo federal em retomar o debate sobre ajuste fiscal e mostrar em atitudes sua capacidade de cumprir com o teto de gastos.
A contagem do tempo de serviço serve para progressão de carreira, concessão de aposentadoria e acúmulo de licenças e gratificações. Com a derrubada do veto, os estados e municípios também poderão usar o dinheiro recebido do auxílio federal para concederem os reajustes salariais.
Defensores do veto argumentam, ainda, que o dispositivo não representa uma obrigação de aumento de salários, mas apenas deixa essa decisão a cargo dos prefeitos e governadores no caso dos trabalhadores da linha de frente.
Nos bastidores, porém, muitos gestores estaduais e municipais demonstravam alívio com o veto, já que o instrumento reduzia o nível de pressão das corporações por aumentos no curto prazo, em um momento em que a situação das contas de estados e municípios se agrava.
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