“Nunca consegui me envolver amorosamente com alguém, sempre achei que não fosse digna de me sentir amada. Na maior parte das vezes em que me relacionei sexualmente, senti nojo de mim mesma. Entendia que deveria ser submissa durante todas as transas, como se o meu papel ali fosse apenas entregar algo para o parceiro. Enxergo o sexo como um ato muito distinto do amor devido ao abuso que sofri”, conta Luiza*. A jovem foi vítima da violência sexual quando tinha apenas 4 anos e ainda se recorda das cenas. “Minha mãe saía para trabalhar e me deixava com a babá. Vários dias, a funcionária precisava resolver algumas tarefas e me levava para sua casa, mas nunca me deixava sozinha ali. Naquele dia, ela me deixou. Me levou para o seu quarto, me deitou na beliche, me fez dormir e saiu. Quando eu acordei, os dois irmãos adolescentes que viviam com ela estavam em cima de mim, tentando colocar a língua dentro da minha boca, passando as mãos pelo meu corpo e fazendo todo o resto que geralmente acontece nessas situações. É difícil falar sobre isso, explicar em detalhes. Eu não sabia o que estava acontecendo, levei muitos anos para entender.”
Ainda criança, a vítima relatou o abuso aos pais. No entanto, a família não levou a denúncia para a frente. “Comentei com a minha mãe, ela despediu a babá e, depois disso, nunca mais tive notícias sobre os abusadores. Mudamos de cidade e tocamos nossa vida. Na época, ela não deu muita importância ou levou o caso para a polícia porque também foi abusada por um tio durante a infância e nada aconteceu.” A jovem lembra de ter sofrido outros episódios de violência sexual, mas garante que nenhum a marcou tanto como este, já que foi o primeiro. “Por eu ser muito nova quando isso aconteceu, não consigo colocar a culpa nestes meninos. Volto o sentimento de vergonha para dentro de mim mesma.”
Luiza* afirma que os traumas deixados pelo abuso ainda a acompanham, mesmo quando está em ambientes seguros, junto a familiares e amigos. “Sou uma pessoa muito assustada, parece que estou em estado de alerta a todo momento. Não me sinto confortável quando fico sozinha na presença de figuras masculinas, mesmo que sejam próximas. Também não uso roupas que deixam meu corpo à mostra, como saias ou decotes, porque sinto que posso ser invadida a qualquer momento”, relata.
De acordo com o balanço mais recente do Disque 100, divulgado em maio deste ano pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, foram registradas 17 mil denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes apenas em 2019. Ainda segundo o levantamento, o crime acontece, em 73% dos casos, na casa da própria vítima ou do suspeito, como ocorreu com Luiza*.
Saiba como denunciar abuso sexual infantil
Existem alguns meios para denunciar os casos de violência sexual infantil. São eles:
- Delegacias convencionais e Delegacias de Proteção à Criança e Adolescente (DPCA)
- Ministério Público
- Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e Centros de Referência Especializados de Assistência Social (CREAS)
- Conselho Tutelar
- Disque 100
- Aplicativo Proteja Brasil
- Ouvidoria Online
- ONG’s como ChildFund Brasil e ChildHood Brasil
- Organização Social Safernet
*O nome foi trocado na reportagem a pedido da vítima.