Imagens feitas por câmeras de segurança e registros de moradores ajudaram entender a dinâmica do confronto entre torcedores e a polícia. Torcedor foi atingido no domingo (24) por ‘bean bag’, munição da PM.
O vídeo de uma câmera de segurança e outros dois registros feitos por moradores ajudaram a Polícia Civil a montar quase toda a dinâmica do confronto entre a Polícia Militar e torcedores, em 24 de setembro, na região do estádio do Morumbi, na Zona Sul da capital.
A investigação identificou que um PM é suspeito de ter disparado o tiro de “bean bag” que matou o são-paulino Rafael dos Santos Tercilio Garcia (assista abaixo).
Segundo o relatório da polícia ao qual o g1 teve acesso, ainda não há imagem do momento em que Rafael foi atingido pelo disparo . O caso é investigado pelo DHPP (leia mais detalhes abaixo).
Além disso, laudo do Instituto Médico Legal (IML) aponta que a vítima morreu por traumatismo craniano causado por disparo de arma de fogo, com ferimento na parte de trás da cabeça, e foram retirados fragmentos de projétil de arma de fogo composto por balins em envoltório, que foram encaminhados para análise balística.
Em nota, a Secretaria da Segurança Pública afirmou que o DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa) investiga quem foi o autor do disparo que causou a morte do torcedor no dia da final da Copa do Brasil. “Importante informar que laudos do Instituto de Criminalística, incluindo o de balística e os perinecroscópicos, ainda estão em elaboração e irão auxiliar na investigação dos fatos.”
Após comprar 20 mil ‘bean bags’ em 2021, PM de SP abre licitação em 2023 para adquirir mais 50 mil; munição matou são-paulino
Nas imagens é possível ver que um grande grupo de torcedores estava na rua em meio a veículos parados dos dois lados da via. Em determinado momento, os policiais aparecem com escudos, viatura e ao menos duas armas longas, semelhantes a calibre 12, a arma apta ao disparo anti-motim (“bean bag”). Houve também a presença da cavalaria.
O documento detalha que é possível notar que, após a intervenção do policial militar suspeito do disparo, Rafael aparece caído ao chão e sendo socorrido pelos colegas.
“Foi observado que o agente militar promove a recarga do armamento utilizado, demonstrando o recente emprego dos projéteis que estariam na câmara de disparo.”
Os registros mostram que objetos como cadeiras foram arremessados contra os policiais. Um dos PMs armados com um arma semelhante a calibre 12 chegou a chutar, derrubar uma das barracas e apontar a arma para uma pessoa próxima a ele (veja abaixo).
Ainda segundo a análise das imagens sobre as armas longas, possivelmente calibre 12, a Polícia Civil verificou que uma delas aparentava problemas de funcionamento.
“Dessa maneira é possível observar que o policial em questão se abriga na parte de trás de um veículo branco, do lado oposto e distante de onde se deram os fatos.”
“Simultaneamente, o policial que teria efetuado os disparos, dirige-se para o local do evento, tomando a dianteira da viatura que escoltava”, descreve o relatório.
“Diante das constatações e análise das imagens, em especial a composição dos acontecimentos registrados por ângulos diversos, é possível concluir, com certa clareza, quanto a individualização do agente policial que efetuou o disparo que, em tese, vitimou Rafael Tercílio, pendente quanto a devida qualificação do agente miliciano”, cita o documento.
Informações sobre o PM suspeito seriam pedidas pela Polícia Civil à Militar.
Relembre o caso
A munição “bean bag” foi usada no dia da final da Copa do Brasil pela PM. A Polícia Civil investiga o caso como homicídio decorrente de tumulto.
A informação sobre a causa da morte de Rafael foi confirmada em 28 de setembro à imprensa pela delegada Ivalda Aleixo, diretora do Departamento Estadual de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP).
“De uma forma preliminar, né, porque foi feito um exame no corpo da vítima, foi uma munição chamada ‘bean bag’ [que atingiu Rafael]. Então foi isso que provavelmente causou a morte [dele] por traumatismo cranioencêfálico, e é o que nós temos ainda preliminarmente no laudo. Aguardando o laudo, agora definitivo, para saber o que exatamente causou a morte, mas preliminarmente nós já sabemos”, disse Ivalda .
Além de ter encontrado um artefato de “bean bag” preso à cabeça de Rafael, a perícia achou mais três munições do mesmo tipo do lado de fora do estádio. O boné que ele usava ficou com um furo na parte de trás, provavelmente por causa do disparo.
O que são ‘bean bags’
“Beans bags” (“sacos de feijão”, numa tradução literal do inglês para o português) são pequenas esferas de chumbo envoltas por plástico que ficam dentro de sacos de tecido sintético. A Polícia Militar paulista usa esse mesmo tipo de munição desde 2021.
À Rádio CBN, a delegada Ivalda informou que o disparo que matou Rafael foi dado por quem estava perto do torcedor.
“Foi muito próximo dele [de Rafael]. Porque o impacto foi muito forte. Acertou diretamente nele e à distância curta. Normalmente esse tipo de munição é disparado a uma distância maior justamente para não causar nenhuma lesão.”
Segundo o protocolo da PM, as “bean bags” devem ser disparadas a uma distância mínima de até 6 metros. Abaixo disso há risco para quem fora atingido. A vítima tinha 32 anos, deficiência auditiva, e foi encontrada desacordada após a confusão.
PM admite uso de ‘bean bags’
Nota da Secretaria da Segurança Pública (SSP) confirmou que a PM usou “bean bags” e outras munições no domingo contra os são-paulinos no entorno do Morumbi.
“Na ocasião, os policiais militares realizaram ações de controle de multidão com uso de munições de menor potencial ofensivo como bean bags, elastômero e jatos de água”, informa trecho do comunicado divulgado pela pasta da Segurança.
Elastômero é o nome técnico para balas de borracha. Essa munição como as “bean bags” são consideradas menos letais.
Apesar disso há casos de mortes registradas pelo mundo no uso de “bean bags”. Em 2019 um manifestante morreu na Colômbia depois de ter sido atingido pela munição. E em setembro deste ano uma mulher foi morta após ser ferida pelo artefato. Desde 2021, quando a PM passou a usar esse tipo de munição, essa seria a primeira morte com uso dela no estado de São Paulo e possivelmente no Brasil.
‘Bean bags’ x balas de borracha
As “beans bags” estão sendo usados pela PM para substituir gradativamente as balas de borracha, que, segundo a corporação, apresentaram falhas em testes. Entre os problemas, foram detectados desvios de trajetória durante os tiros, colocando pessoas em risco.
Tanto a “bean bag” quanto o elastômero (nome técnico da bala de borracha) são disparados por uma espingarda calibre 12. Segundo protocolos da PM, as “bean bags” têm de ser disparadas a uma distância mínima de 6 metros, enquanto as balas de borracha precisam de 20 metros para ter segurança de que não causará um dano maior a quem for atingido.