O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (MPTCU) solicitou nesta segunda-feira, 21, a apuração da atuação da ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, no caso da menina de 10 anos vítima de estupro em São Mateus, no Espírito Santo. O fato ganhou notoriedade após a criança engravidar e a família solicitar o aborto. A lei garante o direito ao aborto em casos de risco de vida para a mulher, quando a gestação é resultante de um estupro ou se o feto for anencefálico. Segundo a representação do subprocurador-geral Lucas Furtado, Damares agiu para impedir que o aborto acontecesse. Ao conseguir na Justiça autorização para o aborto, a família da menina passou a ser pressionada a desistir do procedimento e grupos contrários ao aborto estiveram no hospital onde a interrupção da gravidez aconteceria. A vítima foi estuprada pelo tio, que está preso desde 18 de agosto, na Grande Vitória. Para o MP, “tratando-se de procedimento permitido legalmente, o aborto realizado pela menina capixaba de dez anos, que engravidou em decorrência de estupro, não constituía ato a requerer qualquer intervenção, senão os necessários para a proteção da vítima”. “Em vez disso, no entanto, o aparato estatal foi posto em ação meramente para dissipar angústias pessoais da Ministra Damares Alves, que tem, relativamente à questão do aborto, uma postura contrária ao ordenamento jurídico brasileiro, o qual admite clara e expressamente hipóteses de exceção à regra geral de criminalização do procedimento”, diz o documento enviado à Jovem Pan.
Em agosto, a Promotoria da Infância e Juventude de São Mateus, no Espírito Santo, abriu ação civil pública nesta quinta-feira, 21, contra Pedro Teodoro dos Santos, filiado ao PSL no estado que esteve na casa da família da vítima. Segundo o MP, Santos, acompanhado por um grupo de religiosos, teve acesso ao endereço e nome da vítima e foi até o local com o intuito de convencer os familiares a desistirem do aborto. Na época, ele afirmou ter acesso à ministra Damares, o que foi negado pela Pasta. “Inclusive eu conversei ontem com a assessora da ministra Damares, só para você saber o nível de informação que eu tenho. Olha aonde chegou, à ministra Damares. Então, a gente quer que a senhora use a voz que a senhora tem para defender esse bisneto da senhora”, diz em áudios e vídeos aos quais a reportagem teve acesso. Ainda durante a visita, Santos afirma também que tem acesso a um “corpo médico, especialista em gravidez de risco, em situação de criança de 10 e 11 anos, isso não deveria ser normal, mas acontece com uma certa frequência”. “Estou aqui em nome do projeto, mas eu tenho juízes cristãos, que são do bem e que estão do nosso lado, e tenho um corpo médico inteiro em São Paulo e Brasília”, diz. Representantes do MMFDH estiveram em São Mateus e, em 13 de agosto, Damares escreveu no Twitter: “Estamos acompanhando o caso. Durante a semana várias reuniões virtuais. Hoje representantes do Ministério, acompanhados do deputado Lorenzo Pazzolini, estiveram na cidade para acompanhar de perto as investigações”.
Em 17 agosto, a Pasta comandada por Damares afirmou que os técnicos da Pasta que estiveram na cidade para acompanhar o caso e auxiliar as autoridades “não sabiam o nome da criança, nem o endereço da família. E que jamais tiveram contato com qualquer pessoa próxima à criança. A atuação do ministério limita-se ao relacionamento com as autoridades municipais durante o período de investigação”. “Lamentável que um caso tão triste tenha suscitado, desde o início da última semana, uma campanha desnecessária contra o envolvimento do ministério. Utilizaram, de forma irresponsável, a dor de uma criança e de uma família em prol de bandeiras ideológicas que em nada contribuem para aperfeiçoar os mecanismos de proteção da infância”, diz a nota.
A representação do MP menciona ainda que há a suspeita de que Damares acabou expondo a criança e menciona reportagem publicada pelo jornal Folha de S. Paulo deste domingo, 19, sobre o caso que cita ainda que o objetivo era transferir a vítima de São Mateus para um hospital em Jacareí, no interior de São Paulo, onde a aguardaria a evolução da gestação e teria o bebê, apesar do risco para a vida da menina. “Mesmo se buscasse apenas dissuadir a família da menina da realização do aborto permitido pela lei, acabou por provocar sua exposição, o que, além de atentar contra o Estatuto da Criança e do Adolescente, causou embaraços e dificuldades ainda maiores para o acesso ao procedimento que a lei lhe assegurava e a tornou alvo de ameaças e pressão”, diz o documento. O órgão pede ao TCU a apuração da conduta da ministra “que já se posicionou absolutamente contrária ao aborto, ainda que em hipótese de estupro” e a verificação se “conduz o órgão por ela comandado não de acordo com o que lhe impõe a Constituição e a lei, mas, sim, de acordo com as suas próprias convicções religiosas, ofendendo a determinação constitucional de laicidade do Estado brasileiro”. A militante bolsonarista Sara Giromini também esteve envolvida no caso e expôs os dados da vítima nas redes sociais. Após o ocorrido, o Ministério Público do Espírito Santo (MPES) entrou com ação pedindo que Sara pague R$ 1,32 milhão por danos morais coletivos. Sara teve sua conta suspensa pelo YouTube, onde divulgou o nome da criança e o hospital em que ela estava internada.
Sobre a representação do MPTCU com base na reportagem do jornal Folha de S. Paulo, o MMFDH diz, em nota, que as afirmações “são levianas” e “desonestas”. “A missão do Ministério foi integrada somente por dois servidores, que participaram de três reuniões para entender como funcionava e se havia falhas na rede de proteção local, com o objetivo de oferecer suporte e melhorias estruturais. Esta é uma missão Institucional deste Ministério e que foi cumprida em inúmeras outras ocasiões, sempre que solicitado este apoio. Todos os eventos nos quais a equipe do MMFDH esteve presente foram acompanhados por diversos servidores públicos. Em nenhuma dessas reuniões foi debatida a realização ou não de interrupção provocada da gravidez. Ninguém do Ministério teve ou pretendia ter acesso a dados da criança ou de seus familiares. Não era discutido o caso específico da criança, mas algo mais amplo: a melhoria do sistema de proteção”, diz a nota. A Pasta afirma ainda que já protocolou pedido de investigação para que sejam identificados os responsáveis pelo vazamento do nome da menina e de seus familiares.