Impacto Vital – Como Políticas de Saúde Podem Transformar o Futuro das Pessoas Intersexo no Brasil.
Céu Albuquerque, renomada ativista intersexo, mulher lésbica, jornalista e fotógrafa, portadora de Hiperplasia Adrenal Congênita (uma condição genética que afeta a produção de cortisol, influenciando o desenvolvimento sexual e a formação da genitália externa), alcançou um marco histórico ao se tornar a primeira pessoa no mundo a obter judicialmente a retificação de nome e sexo. Agora, seu nome oficialmente será Céu, e o campo de sexo foi alterado de feminino para intersexo em sua certidão de nascimento. O processo, iniciado em julho de 2021 na 2ª Vara da Família e Registro Civil da Comarca de Olinda pela Defensoria Pública e pelo advogado e defensor público Henrique da Fonte, foi concluído recentemente, marcando uma vitória significativa não apenas para Céu pessoalmente, mas para toda a comunidade intersexo global.
Céu, que dedica mais de uma década à defesa da causa intersexo, trabalhando incansavelmente por políticas públicas e apoio a pessoas e familiares de crianças intersexo, destacou a importância do resultado do processo.
“O resultado deste processo era muito aguardado, não apenas como uma realização pessoal, mas também como um marco significativo para toda a comunidade intersexo em geral. Muitas vezes, uma conquista coletiva é o fruto de uma luta individual, e essa batalha foi travada por meio de mim, com a esperança de um futuro melhor para essas crianças”, destacou Céu. “Além disso, finalmente poder incluir o nome Céu em meus documentos é algo muito especial para mim. Esse nome tem sido parte de minha identidade desde os meus 19 anos, quando minha primeira namorada carinhosamente me apelidou assim. Nunca me identifiquei plenamente com meu nome de registro, frequentemente era pronunciado incorretamente, e muitas vezes me tratavam no gênero masculino devido a ser um nome não binário. Então, corrigir meu nome agora trará uma sensação de tranquilidade significativa daqui para frente”, concluiu.
Na infância, Céu foi submetida a uma cirurgia de redesignação genital devido à genitália ambígua decorrente da hiperplasia adrenal congênita, uma prática controversa amplamente vista pela comunidade intersexo como uma forma de mutilação. Apesar dos desafios enfrentados, Céu emergiu como uma das mais destacadas ativistas da causa intersexo em escala global.
“Vejo este momento como algo histórico, no qual poderemos finalmente protocolar projetos que garantam que toda criança intersexo nascida em território nacional possa ser registrada como intersexo e que as cirurgias estéticas sejam proibidas definitivamente”, afirma Céu. Isso garante o direito à integridade dessas crianças e previne a violação de direitos humanos por meio desses procedimentos.
A causa intersexo defende os direitos e a dignidade de pessoas que nascem com características sexuais que não se encaixam nos padrões tradicionais de masculino ou feminino. Essas variações biológicas podem incluir genitais ambíguos, cromossomos sexuais atípicos, diferenças na produção hormonal e alterações no sistema reprodutor feminino e masculino. Estima-se que aproximadamente 11% da população mundial possa ser considerada intersexo e existe mais de 150 variações de estados intersexo já estudados.
Essa causa é complexa e enfrenta estigmatização e discriminação desde o nascimento ou após a descoberta de características intersexo. As violações dos direitos humanos começam cedo, com intervenções médicas desnecessárias e não consensuais em bebês e crianças intersexo.
Essas estigmatizações e violações dos direitos humanos enfrentadas por bebês, crianças, adolescentes, adultos e idosos intersexo são amplas, incluindo a falta de acesso a direitos da cidadania. Isso abrange desde a emissão de certidão de nascimento até a negativa de inclusão do CPF no registro, passando pela recusa de auxílio maternidade às mães de bebês intersexo, não emissão do cartão do Sistema Único de Saúde – SUS, emissão de certidão de óbito com sexo não correspondente, além de violações no acesso à saúde e à integridade física e psíquica.
Essas questões transcendem a mera disputa pela aceitação da diversidade sexual. Elas englobam procedimentos de saúde considerados como livres de tortura e maus tratos, bem como o direito à igualdade e à não discriminação, conforme destacado por Santos-Campos (2020). Portanto, a luta pela causa intersexo não apenas busca respeitar a identidade de gênero e a autonomia, mas também almeja uma sociedade que garanta plenos direitos e dignidade a todas as pessoas, independentemente de suas características sexuais.
O movimento intersexo busca conscientizar a sociedade sobre a diversidade natural das variações sexuais e promover o respeito aos direitos humanos, autonomia e integridade corporal dessas pessoas. Ele também busca proibir práticas médicas invasivas e não consensuais, como cirurgias e tratamentos hormonais, realizados sem a devida compreensão e consentimento.
“Quando eu nasci em 1991, fiquei seis meses sem registro de nascimento, esperando o exame de cariótipo sair para verem qual a prevalência de gênero o meu corpo possuía, vejo isso como a primeira violação de direitos humanos que sofri, após finalmente ter meu registro, e ser registrada como no gênero feminino, passei por uma mutilação genital, pois nem a sociedade e nem meus pais poderia aceitar a existência de um bebê com genitália ambígua, mesmo sendo um bebê saudável“, relata Céu.
Este processo também só foi possível ser favorável, devido a ajuda do serviço de advocacy da ABRAI (Associação Brasileira Intersexo), que cedeu um parecer para a promotoria, explicando sobre o termo e importância da pauta intersexo, já que por se tratar de um assunto pouco conhecido, este parecer foi de extrema importância.
“A Abrai sempre teve muita importância para mim, pois a anos atrás quando conheci a Thaís Emília mulher intersexo e presidenta, foi fundamental esta parceria dentro do meu movimento como ativista e cientista. Então está conquista é sobre a Abrai também, e todos que fazem parte da diretoria, além de, de fortalecer toda a luta de Thaís que se deu bastante força quando seu filho Jacob, um bebê com síndrome de noonan e intersexo nasceu. Então está conquista também é pelo Jacob que antes de falecer ele e sua família passaram por diversas violências apenas por sua existência desafiar as normas binárias de gênero”, destaca Céu.
A vitória de Céu é um passo significativo para a comunidade intersexo e um lembrete da necessidade contínua de políticas públicas e práticas inclusivas que respeitem e celebrem a diversidade humana.
Certidão de nascimento atualizada, agora constando intersexo.
A luta pelos direitos das pessoas intersexo tem sido uma jornada longa e desafiadora, marcada por vitórias significativas e obstáculos contínuos. Aqui está uma linha do tempo de alguns dos marcos mais importantes:
- 2003: A Organização Intersex International (OII) foi fundada, tornando-se pioneira no ativismo intersexo. No mesmo ano, o Dia Internacional da Visibilidade Intersexo foi institucionalizado em 26 de outubro, em alusão à primeira manifestação pública de pessoas intersexo, que ocorreu nesse dia, em 1996, na cidade de Boston, nos Estados Unidos, durante uma Conferência da Academia Americana de Pediatria.
- 2020: A ONU promoveu uma reunião técnica sobre intersexo com profissionais da área médica e destacou que a Declaração pede o fim de práticas mutiladoras e normalizadoras, como cirurgias genitais, tratamentos psicológicos e outros tratamentos médicos, e da esterilização não-consensual de pessoas intersexo.
- 2021: Vários países começaram a revisar políticas em relação a cirurgias intersexuais não consensuais. Em março de 2021, a Alemanha aprovou uma legislação proibindo cirurgias em bebês intersexo.
- 2021: No início de agosto de 2021, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) do Brasil autorizou que crianças intersexos, que nascem sem o sexo definido como masculino ou feminino, sejam registrados com o sexo “ignorado” na certidão de nascimento. A mudança passou a valer em todo o Brasil a partir do dia 12 de setembro de 2021.
- 2023: Em 06 de julho de 2023, propostas para o fim das cirurgias em bebês intersexuais foram aprovadas na Conferência Nacional de Saúde pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, através da representação de Walter Mastelaro e Ana Amorim.
- 2023: É sancionado o dia de Conscientização contra a Mutilação Infantil na data de 26 de setembro, nascimento do bebê Jacob. E Protocolado como Dia Nacional contra a Mutilação genital infantil pela deputada Duda Salabert.
- 2024: A primeira retificação de certidão de nascimento de pessoas Intersexo no Brasil é conquistada por Céu Albuquerque, na 2ª Vara da Família e Registro Civil da Comarca de Olinda, pela Defensoria Pública.
Esses marcos representam avanços significativos na luta pelos direitos das pessoas intersexo. No entanto, ainda há muito trabalho a ser feito para garantir a igualdade de direitos e a aceitação plena das pessoas intersexo na sociedade. A luta continua, e cada passo adiante é uma vitória para a comunidade intersexo.
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