Desde a última semana, a notícia da menina de dez anos que engravidou após ser estuprada pelo tio em São Mateus, no Espírito Santo, tem alcançado repercussão nacional e levantado debates em toda a sociedade. Para a polícia, a criança relatou que sofria abusos há quatro anos. No entanto, o caso que evidencia a problemática da violência sexual infantil está longe de ser isolado. O balanço mais recente do Disque 100 divulgado em maio deste ano pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, referente a todo o ano de 2019, aponta 17 mil denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentesjo, o que equivale a uma ocorrência a cada meia hora. Ainda de acordo com o levantamento, o crime acontece, em 73% dos casos, na casa da própria vítima ou do suspeito.
“Os estudos mostram que, na maioria das vezes, o abuso sexual é praticado por parentes e pessoas próximas à família. Os índices do crime estão aumentando durante o período da pandemia do novo coronavírus, já que os familiares permanecem muito mais tempo dentro de casa. A detecção da violência também foi dificultada com o isolamento social, pois as crianças deixaram de frequentar as escolas e outros ambientes onde poderiam pedir ajuda”, explica a pediatra Loretta Campos. A médica ressalta a importância dos responsáveis se manterem sempre atentos aos adultos que fazem parte do cotidiano de suas crianças, sobretudo aos que se mantém “acima de qualquer suspeita”.
O advogado Douglas Costa explica que, atualmente, o desafio enfrentado pelas vítimas que pretendem denunciar o abuso sexual é a própria sociedade que, muitas vezes, “protege os criminosos”. “O problema é a falta de apoio dos familiares, amigos e da própria comunidade em que a criança está inserida. Muitos acobertam e defendem os abusadores porque estes podem ser pais, tios, avós, pastores, vizinhos… enfim, pessoas que têm a confiança da família.” De acordo com os dados oficiais do governo, em 87% das denúncias, o suspeito é do sexo masculino e, em 62% dos casos, tem idade adulta entre 25 e 40 anos. “A violência sexual infantil é presente em todas as classes sociais no Brasil e possui números absurdos, já que, além dos casos registrados, há muita subnotificação. Geralmente os abusadores preferem crianças entre 5 e 10 anos, porque é mais fácil de coagir.”
Neste sentido, a pediatra alerta os responsáveis para as alterações no comportamento das crianças que, por diversas vezes, atuam como canal de denúncia quando as vítimas não conseguem verbalizar a situação traumática. “As mudanças de temperamento devido à violência sexual costumam acontecer de maneira abrupta, rápida, de um dia para o outro. Por exemplo, comportamentos agressivos, adoção de hábitos mais infantilizadas, mudanças de postura em relação a pessoas específicas, manifestações de vergonha ou medo, introspecção, problemas com o sono, queda de rendimento em sala de aula, falta de concentração e, até mesmo, a automutilação são sinais que podem indicar situações de abuso infantil.” Mesmo em vítimas muito jovens, o crime é capaz de deixar marcas profundas que os acompanharão por toda a vida.
A problemática do assédio sexual ainda representa um enorme desafio a ser superado pelas esferas política e social. Porém, o advogado Costa esclarece que as leis brasileiras estão de acordo com o que há de mais moderno no mundo relacionado ao combate da violência contra a criança e o adolescente. “Atualmente toda a legislação criminal, em especial o Código Penal e o Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA, tratam da questão e dão a ela a formatação jurídica. Não necessitamos de mudança na lei, mas em sua aplicabilidade, como maior velocidade de apuração das ocorrências e melhor atuação do judiciário”, conclui.
Saiba como denunciar abuso sexual infantil
Existem alguns meios para denunciar os casos de violência sexual infantil. São eles:
- Delegacias convencionais e Delegacias de Proteção à Criança e Adolescente (DPCA)
- Ministério Público
- Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e Centros de Referência Especializados de Assistência Social (CREAS)
- Conselho Tutelar
- Disque 100
- Aplicativo Proteja Brasil
- Ouvidoria Online
- ONG’s como ChildFund Brasil e ChildHood Brasil
- Organização Social Safernet