A menos de quatro meses das eleições, pré-candidatos à Presidência da República já demonstram, por meio de declarações, as pautas que devem priorizar durante a campanha. Segundo especialistas ouvidos pelo Metrópoles, o cenário econômico e as questões sociais dominarão os debates.
“O grande tema será a questão da economia e tudo que ela envolve: inflação, desemprego, juros altos, as baixas perspectivas do brasileiro. O Brasil, a curto e médio prazos, deve crescer pouco. Então, vai ser um assunto que não tem como fugir”, pontua André César, cientista político e sócio da Hold Assessoria Legislativa.
Para o especialista, a principal aposta do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) será o discurso de reconstrução e retomada de políticas que foram abandonadas durante o governo Jair Bolsonaro (PL), seu principal adversário.
Já o atual mandatário da República deve bater nas teclas de continuidade de seu governo e na recuperação do país pós-pandemia. Além disso, a pauta de costumes deve voltar com força. “Bolsonaro, falando para a bolha, deve manter a agenda de costumes. Ele tenta transcender isso para fora da bolha, para a população em geral, mas nem sempre funciona.”
O professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB) Frederico Bertholini concorda que a economia vai movimentar a agenda dos candidatos nos próximos meses, mas esse cenário pode mudar de acordo com a postura adotada pelos presidenciáveis.
“Um aspecto interessante que a gente observa, e isso é reflexo da polarização, é que os eleitores dão mais importância aos temas que os candidatos apontam. Ou seja, os candidatos têm temas prioritários, e os eleitores acompanham esses temas”, observa Bertholini.
O cientista político afirma que esse é um fenômeno específico da polarização que se formou em torno dos dois candidatos apontados como favoritos na corrida eleitoral. Ele chama a atenção para as bolhas de informação entre eleitores, que faz com que eles ignorem pautas levantadas pelo adversário. “Isso acontece não só nas redes sociais, mas na televisão, por exemplo, se ela vê uma informação que vai contra o que acredita, ela ignora essa informação”, explica.
Para o especialista, ainda em razão dos efeitos da crise econômica, a discussão sobre programas sociais e desigualdade pode ser usada pelos candidatos como arma política. Lula, por exemplo, tem adotado como estratégia a defesa de que em seu governo a situação econômica era melhor. Nesse sentido, o ex-presidente pode evocar a baixa popularidade do Auxílio Brasil em comparação com Bolsa Família.
“As pessoas que recebem o Auxílio Brasil não gostaram tanto do benefício. E também não foi uma política pública tão bem pensada como o Bolsa Família. O Auxílio Brasil é diferente. É uma política com construção muito rápida e não tem os mesmos parâmetros de avaliação do Bolsa Família. Isso pode ser levantado pelo Lula”, avalia Bertholini.
Corrupção
Se em 2018 o tema do combate à corrupção estava no centro das eleições, impulsionado principalmente pela Operação Lava Jato e o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, neste ano, a pauta parece perder força. Bertholini explica que, apesar de ter sido uma das grandes bandeiras de Bolsonaro, não deve aparecer com muita frequência nos discursos do atual presidente, sobretudo pelo cargo que ocupa e pelas recentes suspeitas de corrupção durante sua gestão.
Apesar disso, o tema pode ser uma das principais frentes da chamada terceira via, encabeçada pela pré-candidatura da senadora Simone Tebet (MDB) e, do outro lado, pelo ex-ministro Ciro Gomes (PDT).
“Ciro tem o projeto nacional de desenvolvimento, que é uma pauta voltada para a economia. Ele tem um projeto, mas não consegue conversar com o eleitor. E, mais fraco, tem o sentimento antipetismo, anticorrupção”, avalia. “Imagino que ela [Simone Tebet] vai ser a pessoa a levar essa pauta anticorrupção de forma mais crível, porque não está no governo e esteve na CPI da Covid. Além da pauta da representação feminina”, pondera.
Temas polêmicos
André César ressalta que há ainda os assuntos-chave que sempre são alvo de propostas durante as eleições, como educação, segurança e saúde pública. Esse último promete ter mais atenção em razão da pandemia de Covid-19. “A pandemia jogou luz sobre a qualidade da saúde pública. Os candidatos vão estar atentos a isso”, frisa.
O cientista político diz que pauta da segurança pública também deve ter atenção especial diante dos episódios recentes de violência policial, como a morte de Genivaldo de Jesus Santos, em Sergipe, e a chacina da Vila Cruzeiro.
Já para Bertholini, os candidatos devem ser mais receosos em relação à pauta, sobretudo no âmbito da qualificação da polícia. No entanto, a segurança pública ainda deve ser foco de Bolsonaro. “Você não consegue mudar o voto das pessoas com esse tema [violência policial]. Bolsonaro deve evocar dados de homicídios, índice que de fato teve uma melhora — que também pode estar associado à pandemia —, mas eu não vejo outros candidatos fazendo isso”, opina. “As pessoas estão cansadas da violência, e o eleitor, de forma geral, tem dificuldade de entender quão violenta é uma ação que mata 20 pessoas e não tem consequência.”
O professor afirma que, neste momento, candidatos vão evitar tocar em temas polêmicos que resultem em perda de votos. “Por exemplo, a redução da maioridade penal é um tema que o eleitor do Lula concorda. Ele não tem porque levantar esse tipo de pauta se é uma coisa que tira voto dele. A tendência é que se debata menos isso, porque a população, no geral, tende ao conservadorismo”, ressalta.
Agenda nostálgica
Além dos temas-chave, outro assunto que deve entrar na pauta dos adversários de Bolsonaro é a situação do país em relação às políticas ambientais e externa. André César acredita que os candidatos vão tentar resgatar o sentimento de nostalgia dos tempos em que o Brasil era referência em diplomacia na administração de questões ambientais.
“Em menor grau, também deve ter uma discussão em torno de política externa e política ambiental — são debates menores, mas queira ou não, a situação que estamos nos últimos anos, de referência [em política ambiental], tudo isso ficou para o passado”, observa.
“O governo Bolsonaro ficou muito atrelado ao trumpismo, então eles podem usar essa questão no sentido de que o Brasil precisa voltar a estreitar laços com outros governos, principalmente a China, que era o principal parceiro comercial do Brasil.”