Amanhã seria o dia de celebrar um dos maiores patrimônios do Brasil — o meio ambiente. A realidade, porém, indica que há mais motivos de preocupação do que de festa. Ante as constantes agressões à riqueza natural do país, especialistas avaliam que, em um futuro próximo, pode-se chegar ao “ponto de não retorno”.
Os alertas reafirmam o que foi dito há 30 anos, na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92). No encontro, 178 chefes de governo compreenderam que a exploração dos recursos da natureza de forma predatória causaria o esgotamento ambiental. Não é o que se tem visto no século 21. O Brasil se comprometeu a reduzir até 2025 ao menos 37% das emissões de gases de efeito estufa e até 2030 estender a porcentagem para 43%.
No ano passado, o país ficou em quarto lugar no ranking mundial de emissões, de acordo com o Think Tank internacional Carbon Brief. Isso ocorreu porque o país soltou na atmosfera um total de 2.160.663.755 toneladas de gases estufa, sendo que 997.923.296 foram provocadas pelo desmatamento, segundo o Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), vinculado ao Observatório do Clima.
Se o rumo continuar nessa direção, o Brasil ficará cada vez mais distante das metas ambientais do planeta. “No ano de 2020 emitimos, na Amazônia e no Cerrado, 998 milhões de toneladas de carbono só com o desmatamento. Isso tem um impacto muito grande para o Brasil alcançar as metas. Temos uma meta de restauração que é incipiente com os números que temos hoje, do jeito que caminhamos não alcançaremos a meta de restauração que tínhamos proposto”, lamenta Roberta del Giudice, secretária executiva do Observatório do Código Florestal.
Diante do mundo, o Brasil destoa das prioridades em relação ao meio ambiente. A União Europeia, por exemplo, conseguiu, em 2017, reduzir as emissões em quase 22%. Com isso, a meta estabelecida em 1990 foi batida três anos antes do previsto. O bloco pretende chegar a uma redução de 55% das emissões de gases com efeito de estufa até 2030. Para isso, construiu uma legislação estratégica que abarcou setores-chave da economia.
Na conferência mundial COP26, realizada no ano passado, o então ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, se comprometeu a reduzir em 50% as emissões de gases de efeito estufa até 2030 e conquistar a neutralidade até 2050. A diferença da promessa brasileira para a europeia começa quando a autoridade nacional não detalha como isso será feito.
“No Acordo de Paris, se falava em 28% de redução de emissões em energias, falava-se em metas relacionadas à recuperação florestal, em 12 milhões de hectares de florestas, 15 milhões de hectares de pastagens reformadas para intensificar a redução de emissões, por exemplo”, pontua Beto Mesquista, membro da Coalizão Brasil, clima, florestas e agricultura, diretor de Políticas e Relações Institucionais do BVRio e fundador do Diálogo Florestal. “Isso basicamente desapareceu nesse segundo compromisso. A gente está patinando nessas metas, fazendo um malabarismo junto ao cenário internacional. Internamente há um desmantelamento das políticas públicas e das ações que efetivamente tragam impactos na redução do desmatamento e na redução das emissões”, acrescenta.
Matriz econômica
Além da negligência do poder público com a pauta ambiental, especialistas criticam o modelo econômico criado para o desenvolvimento do país. De acordo com Carlos Eduardo Young, professor titular do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, o Brasil optou, muito antes da ascensão de Bolsonaro, pela reprimarização, que tem a desindustrialização como contrapartida.
Isso significa que o país abriu espaço para o enraizamento dos setores primários como combustível econômico. “Começamos a observar a diminuição da indústria e maior dependência dos setores primários exportadores. Isso não é apenas o agronegócio, mas também a mineração. A competitividade desses setores é através do custo mais baixo de produção, o que significa eliminação de restrições, inclusive ambientais. Nesse cenário, o elemento chave é diminuir o custo e a política ambiental é vista como um entrave”, explica.
Para Young, trata-se de uma lógica predatória na qual expansão de negócio não significa desenvolvimento, mas enriquecimento de poucos. O resultado dessa dinâmica econômica é a exclusão social, que se desdobra em dois problemas maiores: o desemprego e a qualidade da ocupação, que gera a informalidade em dois formatos, com trabalhadores assalariados sem carteira e que trabalham por conta própria.
“Os dois setores que mais chamam a atenção nesse sentido é a produção agrícola para exportação e a exploração mineral. O agro está cada vez mais desempregador. O IBGE apontou redução em torno 3,5 milhões de ocupações das atividades de cultivo e agropecuária de 2000 a 2019. O extrativismo mineral não diminuiu, mas emprega pouco”, compara o especialista. “(Esse modelo) gera desemprego. Não é coincidência o Brasil atravessar o período mais longo de período crônico. Em contraste com a agricultura orgânica que tem uma capacidade maior de gerar ocupação. Não tem como imaginar que apostar em mais do mesmo vai fazer a gente sair disso”, argumenta.
A saída para a encruzilhada criada, na visão de Roberta del Giudice, é a sociedade passar a questionar sobre quem se beneficia com esse cenário e, a partir disso, se mobilizar. “Estamos sofrendo consequências pela falta de políticas de proteção ao meio ambiente. Se a sociedade não se mobilizar para pressionar o poder público a ter melhores representantes no Congresso Nacional, as consequências virão mais drásticas”, conclui.