Por Roberto Dumas*
Futebol arte, futebol moleque, futebol criança. A Copa do Mundo de 1970, realizada há 50 anos, nos causa certa nostalgia. Com as alegrias, lembramos também das mazelas dos governos militares tentando cercear a população de informações “secretas”. Em 1974, surgia a epidemia de meningite – ainda me lembro. No começo, nada demais, mas, depois, nem sair de casa para uma festa com aglomeração era possível. Alguma coincidência com os dias de hoje? Tirando o tricampeonato de futebol no México, em 1970, pelo 7×1, em 2014, parece que pouca coisa mudou.
O governo agora parece querer minimizar a doença para não assustar e derrubar a economia – e depois percebe o estrago ocasionado na esfera da saúde e da própria economia. Em tempo, o governo militar da época reconheceu o problema, mas, mesmo após derretermos a taça Jules Rimet, o Brasil ainda continua politizando uma crise de saúde.
Como se não bastasse, sem juízo de valor aqui, entramos em uma guerra mesquinha entre Executivo, Legislativo e Judiciário. E, enquanto discutimos se devemos passar a “boiada”; na legislação ambiental e zombamos do nosso maior parceiro comercial, a China, ainda perguntam se sairemos dessa crise rapidamente.
Pelo lado de nossas relações exteriores, estamos armando cada vez mais a retórica de outras nações parceiras, de que qualquer acordo comercial deverá vir acompanhada de uma reviravolta em nossa política ambiental, que tende a prejudicar o nosso agronegócio. Meias verdades ou não, cumpre ao governo mostrar iniciativas propositivas nesse sentido, e não responder com mais arrogância. Pois é exatamente isso que os nossos competidores do agronegócio querem. Infelizmente, mordemos a isca, pondo ainda em risco a ratificação pelas 27 nações europeias do acordo de livre-comércio entre o Mercosul e a União Europeia. Mal agouro para o setor do agronegócio.
Se juntarmos os quadrinhos do Cebolinha e a comparação do covid-19 com o acidente de Chernobyl, chega a dar calafrios nos players do único segmento que logra ter algum crescimento no Brasil. Mas e 2021? Teremos uma recuperação em “V”; ou em “formato de Nike”, comumente usados por muitos economistas? Ora, mesmo em momentos de lua de mel entre os três poderes, no início do governo, infelizmente conseguimos aprovar apenas uma reforma que realmente endereçasse um pouco a dinâmica explosiva da nossa dívida pública. Louros ao ministro Paulo Guedes (Economia), jogado na cova dos leões e ainda sozinho, sem nenhum bravateiro da família para ajudá-lo.
Há de se considerar dois riscos cruciais que podem pavimentar ou enterrar nossa recuperação para 2021: ao observar que de fato teremos nosso Produto Interno Bruto (PIB) ceifado um pouco mais do que 7,5% em 2020, qual o risco de o Executivo querer dar uma guinada fiscal irresponsável, jogando todas as fichas em um novo “Plano Brasil”? Nesse caso, a curva de juros deve se inclinar, suscitando o famoso crowding out effect em investimentos privados e consumo – ideia já tentada e fracassada no passado inúmeras vezes.
Outro risco não menos importante: em que pese uma nova aproximação do Executivo com o centrão, e levando em consideração as manifestações contra o Congresso on a weekly basis, qual será a vontade do Legislativo em aprovar as reformas tão necessárias, que colocariam o País em uma trajetória ascendente, justamente na largada da corrida presidencial?
Enfrentamos uma crise de saúde, política e econômica sem um plano conjunto entre os três poderes e outras instâncias governamentais. Nem um protocolo único de saúde temos. Urge que o País pense em como quer sair dessa crise e não desprezar os riscos expostos acima. Ainda há tempo.
*Roberto Dumas é professor de Economia Internacional do Ibmec SP.
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