Há 30 anos, o economista e vereador de São Paulo, Eduardo Suplicy (PT), defende a criação da renda básica universal, o programa de transferência de renda para todos os habitantes do Brasil, independente da origem ou classe social. “É um direito de toda e qualquer pessoa, vai ser pago para o Pelé, para a Xuxa, para você, para o Eduardo Suplicy”, afirma o petista em entrevista à Jovem Pan. A primeira versão do projeto foi apresentada pelo então senador em 1991, e aprovada pela Câmara e Senado em 2003. Porém, apesar de ter sido sancionada pelo presidente Luis Inácio Lula da Silva (PT) em janeiro do ano seguinte, a lei nunca foi colocada em prática.
Por ironia, pode ser no governo de Jair Bolsonaro (sem partido) que a ideia do petista chegue mais próximo da realidade. No programa de governo entregue ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2018, o então candidato a presidente estabeleceu a “introdução de mecanismos capazes de criar um sistema de imposto de renda negativo na direção de uma renda mínima universal.” Há semanas o Executivo negocia com o Congresso Nacional o envio do Renda Brasil, programa social que deve substituir o Bolsa Família e ampliar o número de beneficiários. O texto final ainda não foi definido, mas segundo o Ministro da Economia, Paulo Guedes, deve abranger 26 milhões de brasileiros, ante os 20 milhões atendidos pelo programa criado durante o governo Lula. A proposta deve ser apresentada nas próximas semanas, junto ao orçamento da União para 2021. Segundo membros do governo, o Renda Brasil será lançado para preencher o vácuo do auxílio emergencial, cuja ampliação para ser pago até dezembro também é negociada entre o Planalto e o Legislativo.
“Se o Jair Bolsonaro fizer isso [criar a renda básica cidadã], ele vai cumprir a lei que eu apresentei”, diz o petista. Apesar da promessa de campanha, Guedes afirmou que o Renda Brasil não contemplará todos os habitantes do Brasil, assim como idealiza Suplicy. “Eu quero saber se ele vai cumprir com o que prometeu. A melhor maneira de erradicar a pobreza e prover a dignidade e liberdade para todos é através da renda básica universal. Se ele colocar em prática este projeto, eu vou cumprimentá-lo”, afirma o vereador.
A necessidade de um programa que proteja os mais vulneráveis ganhou coro após a crise causada pela pandemia do novo coronavírus escancarar a desigualdade social. Segundo Suplicy, no entanto, a pauta já estava em evidência mesmo antes do surgimento da Covid-19. “Desde 2004, há um interesse crescente no tema. Os mais diversos lugares do mundo estão experimentando o auxílio universal”, afirma, citando exemplos na Finlândia, Namíbia, Índia e Quênia. No Brasil, o Distrito Federal e a cidade de Campinas foram pioneiros ao criarem um programa de reforço de renda para famílias vulneráveis cujos filhos estivessem inseridos no sistema de educação. A ideia evoluiu até se tornar o Bolsa Escola, projeto social criado no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e que se tornou a base para o atual Bolsa Família.
Aos 79 anos, Suplicy afirma que ainda sonha com a implementação integral da sua proposta. Citando a parábola chinesa do velho Yukong — que de tanto acreditar recebeu a ajuda divina para remover uma montanha —, o petista diz que continuará trabalhando para propagar a renda básica no Brasil e em outros países. “Eu gostaria muito de ver implementada no Brasil a renda básica cidadã universal. É um objetivo semelhante ao do velho Yukong, e eu tenho a convicção que também vou remover essa montanha.”