A fixação do limite dos juros de cartão de crédito e cheque especial em 30% ao ano implicará na adoção de critérios mais rigorosos pelos bancos para a liberação de empréstimos, e assim limitará o acesso dos mais pobres ao crédito em plena crise econômica. Além disso, a medida pode forçar a população mais vulnerável a buscar empréstimo em meios com taxas mais caras, como factorings e agiotas, e prejudicar a concorrência entre os bancos e fintechs. Essa é a opinião de especialistas ouvidos pela Jovem Pan sobre o projeto de lei aprovado na semana passada pelo Senado que prevê um teto aos juros cobrados pelas instituições financeiras durante a pandemia do novo coronavírus. O texto ainda precisa passar pelo plenário da Câmara e ser sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
“Os bancos irão limitar o crédito para quem tem menor capacidade de pagamento, e estudos apontam que pessoas com menor escolaridade e de baixa renda são as que mais usam o cheque especial. A lei não é viável porque vai cortar o crédito de muita gente, e talvez para essas pessoas seja melhor ter acesso a um crédito com juros mais caros do que não ter acesso a crédito algum”, afirma Rafael Schiozer, professor de finanças da Fundação Getulio Vargas (FGV). A retração do orçamento das famílias por causa da crise causada pelo novo coronavírus, no entanto, forçará a busca deste crédito negado pelos bancos em outras fontes, como as factorings — que podem cobrar juros ainda mais altos—, ou agiotas. “A medida é ruim inclusive para o ponto de vista regulatório, já que vai estimular que o crédito flua por fora do sistema bancário”, diz o professor.
O projeto de lei aprovado pelo Senado prevê que os juros cobrados pelas fintechs seja de 35% ao ano. Para Walter Franco, professor de economia do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec), a disparidade do valor permitido aos bancos e às instituições digitais interfere diretamente no princípio de livre concorrência do setor. “É algo totalmente inapropriado e inviável. Todo tipo de tabelamento ou decisão que mexa na concorrência natural dos mercados não é agradável. Por mais que os juros sejam estratosféricos, precisamos de um debate mais sério e efetivo sobre o que realmente é emergência nesse momento e o que pode ser feito para a retomada econômica.”
Uma das justificativas apontadas pelo senador Alvaro Dias (Podemos-PR), autor do projeto original, é de que 76 países já promovem algum tipo de controle nas taxas de juros, e que a medida dará mais fôlego para as famílias que estão se endividando neste momento de recessão. O texto prevê que o limite fique controlado no período do estado de calamidade pública, iniciado no dia 20 de março e previsto para encerrar em 31 de dezembro. Os contratos celebrados antes da data inicial não poderão ser alterados. No fim de 2019, a Comissão de Valores Imobiliários (CVM), já havia limitado os juros do cheque especial a 150% ao ano. A medida entrou em vigor em janeiro deste ano. O valor do cartão de crédito, no entanto, nunca foi regularizado, e pode chegar a 300% ao ano, dependendo da instituição. “Esse endividamento no cartão de crédito e cheque especial vai criar um passivo enorme, drenar os minguados recursos das famílias brasileiras e dificultar ainda mais a retomada da atividade econômica. Os juros altos induzem a inadimplência, que por sua vez, elevam o risco e o custo da operação. Tal situação configura círculo vicioso de difícil resolução natural”, afirma o senador.
Para José Dutra Vieira Sobrinho, vice-presidente da Ordem dos Economistas do Brasil (OEB), a limitação dos juros em meio à pandemia pode ser o primeiro passo para a conscientização da população brasileira do quanto as taxas são abusivas. “A sociedade deve aproveitar essa oportunidade e pressionar para que as taxas permaneçam limitadas. A aprovação dessa lei seria algo inédito ao Brasil por significar uma queda tão significativa, mesmo que os juros em 30% ainda sejam altos em comparação com os outros países”, diz.
O alto índice de inadimplência dos credores, ou seja, as pessoas que pegam dinheiro emprestado e não pagam, é tradicionalmente apontado pelos bancos como a principal razão por juros tão elevados para empréstimos. No caso do cheque especial e cartão de crédito, a conta fica ainda mais pesada pelo baixo critério das instituições em aprovar o benefício, logo o risco de tomar calote se multiplica. Para Dutra, a medida irá endurecer as regras de liberação dos empréstimos para quem tem mais propensão de não pagar a dívida, porém, apenas esse fator não legitima o valor cobrado pelas instituições brasileiras. “A inadimplência tem um peso, mas ele é exagerado e nunca justificou a razão de termos valores tão altos. As taxas são altas no Brasil porque a população sempre esteve disposta a pagar.”