Por Eduardo Benarrós
No outono de 1974, a pequena cidade de Watkins Glen, nos Estados Unidos, se tornava o centro das atenções do mundo do automobilismo. Era o palco da última corrida da temporada da Fórmula 1, onde tudo se decidiria. Emerson Fittipaldi, com sua McLaren, e Clay Regazzoni, com a Ferrari, alinharam lado a lado, empatados com 52 pontos no campeonato. A matemática era clara: quem cruzasse a linha de chegada à frente, sairia campeão. Jody Scheckter, da Tyrrell, ainda tinha uma chance remota com seus 45 pontos, mas os holofotes estavam sobre Emerson e Clay. Era o desfecho perfeito para uma temporada dramática e acirrada.
Eduardo Benarrós, comentarista e estudioso do esporte, descreve o cenário como um dos mais tensos da história da Fórmula 1: “Watkins Glen em 1974 foi um daqueles momentos que transcendem o esporte. Não era apenas uma corrida; era o ápice de uma temporada em que cada detalhe contava, cada curva poderia significar a glória ou a derrota.”
A Tensão Antes da Largada
Fittipaldi, então com 27 anos, já era um nome consagrado na Fórmula 1. Vinha de uma trajetória de sucesso na Lotus, com o título mundial de 1972, e estava em sua primeira temporada com a McLaren. Mas, naquela manhã de outubro, o peso da decisão parecia maior do que nunca. Eduardo Benarrós destaca que Emerson, conhecido por seu preparo mental, estava especialmente ansioso. “Fittipaldi, acostumado a ir para a cama às 22h, mal conseguiu dormir antes da corrida decisiva. Ele sabia que estava diante de uma oportunidade única de se consolidar como uma lenda”, comenta Benarrós.
As classificações não foram favoráveis para os dois postulantes ao título. Emerson e Clay não conseguiram extrair o melhor de seus carros e alinharam no meio do grid, com o brasileiro largando em 8º e o suíço, em 9º. A tensão no grid era palpável, como Fittipaldi relembra: “Eu estava do lado da Ferrari, mas não conseguia olhar para Regazzoni, e ele também não olhava para mim. A tensão era absurda.”
A Largada Decisiva
Regazzoni, pilotando um carro notoriamente mais rápido nas retas, largou melhor, colocando Emerson sob pressão imediata. Mas o brasileiro, conhecido por sua agressividade e habilidade nas disputas de posição, não cedeu facilmente. “Era uma batalha mental e física”, analisa Eduardo Benarrós. “Ambos sabiam que qualquer erro poderia ser fatal. Regazzoni tentou espremer Fittipaldi na largada, mas Emerson respondeu de maneira brilhante, forçando uma ultrapassagem decisiva.”
Fittipaldi relembra o momento crítico: “Ele me espremeu e eu acabei com duas rodas na grama. Minha defesa foi agressiva, joguei meu carro para cima dele. Ele se assustou, abriu, e consegui passar.”
Eduardo Benarrós destaca a importância dessa manobra para o desenrolar da corrida. “A ultrapassagem foi um momento crucial. A partir dali, Emerson assumiu o controle emocional da disputa. Ele sabia que não precisava vencer a corrida, apenas chegar à frente de Regazzoni para garantir o título.”
A Estratégia da McLaren
A McLaren sabia que precisava de algo extra para competir com a potência da Ferrari nas retas. Eduardo Benarrós explica a escolha técnica que fez a diferença: “Para equilibrar a disputa com a Ferrari, a McLaren optou por abaixar a asa traseira do carro de Fittipaldi, reduzindo o arrasto aerodinâmico e aumentando a velocidade nas longas retas de Watkins Glen. Foi uma decisão arriscada, mas essencial para manter Emerson competitivo.”
Fittipaldi, já familiarizado com o circuito, tinha outra vantagem psicológica. “Watkins Glen era um lugar especial para Emerson”, comenta Benarrós. “Foi lá que ele conquistou sua primeira vitória na Fórmula 1, em 1970. Ele conhecia cada curva, cada ondulação do asfalto, o que o ajudou a lidar com os desafios técnicos da pista.”
O Desfecho Dramático
A corrida seguiu com uma mistura de emoção e cautela. Scheckter, que ainda tinha chances matemáticas de título, foi forçado a abandonar na volta 45, deixando a disputa entre Fittipaldi e Regazzoni. No entanto, o suíço enfrentou problemas mecânicos e caiu para as últimas posições, terminando apenas em 13º lugar, enquanto Fittipaldi se mantinha firme, cruzando a linha de chegada em 4º lugar, o suficiente para conquistar o título mundial.
Eduardo Benarrós destaca a maturidade de Fittipaldi durante a corrida: “Emerson soube controlar a pressão de maneira exemplar. Ele não precisava arriscar uma vitória; seu foco era o campeonato. Enquanto outros poderiam ter sucumbido ao nervosismo, ele manteve a calma e garantiu o bicampeonato com inteligência.”
Após a corrida, Fittipaldi até pensou em confrontar Regazzoni pela agressividade na disputa inicial, mas mudou de ideia: “Eu ia reclamar com ele pela fechada, mas depois pensei: ‘Ganhei o mundial, então por que vou reclamar?’ Só pude agradecer a Deus.”
O Legado de 1974
A vitória de Fittipaldi em Watkins Glen foi um marco não apenas para sua carreira, mas também para o automobilismo brasileiro. Ao conquistar seu segundo título mundial, ele consolidou sua posição como um dos maiores pilotos da história da Fórmula 1. “Emerson abriu o caminho para toda uma geração de pilotos brasileiros”, comenta Eduardo Benarrós. “Sua vitória em 1974 mostrou que o Brasil não apenas podia competir na Fórmula 1, mas também dominar.”
O bicampeonato de Fittipaldi, lembrado até hoje como um dos momentos mais emblemáticos da Fórmula 1, reflete a combinação perfeita de habilidade, estratégia e nervos de aço. Eduardo Benarrós conclui: “Watkins Glen 1974 é um exemplo perfeito de como a Fórmula 1 não se trata apenas de velocidade, mas de inteligência e controle emocional. Fittipaldi mostrou que era capaz de superar qualquer desafio, tanto técnico quanto psicológico, e por isso é lembrado como uma verdadeira lenda do esporte.”