Medida cautelar que previa prorrogação da proibição por 120 dias teve prazo encerrado no sábado (21). Cremers informou que João Batista do Couto Neto pode exercer a atividade médica sem impedimentos.
O médico João Batista do Couto Neto, suspeito de causar as mortes de 42 pacientes e lesões em outros 114 pode voltar a realizar cirurgias e intervenções invasivas. A decisão da Justiça de Novo Hamburgo, na Região Metropolitana de Porto Alegre, de 23 de junho deste ano, previa prorrogação da proibição por 120 dias. O prazo se encerrou no sábado (21).
Em nota, o Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul (Cremers) informou que o médico João Batista do Couto Neto “está com registro regular junto à autarquia, podendo exercer atividade médica sem impedimentos”. (Leia a íntegra do documento abaixo)
O advogado Brunno de Lia Pires, que representa o médico, afirmou ao g1 que, embora não haja impedimentos, “no momento, ele não pretende realizar cirurgias”. A defesa acrescenta que aguarda o desenrolar da situação.
O g1 entrou em contato com o Tribunal de Justiça do RS para verificar se há alguma nova determinação que impeça João Couto de realizar cirurgias. “Até a presente data não existe decisão prorrogando – novamente – a suspensão das atividades do médico”, retornou o TJ.
A decisão que estava em vigor impedia, também, o acesso do médico a blocos e centros cirúrgicos ou a qualquer local dessa natureza. Havia, ainda, a proibição de João Batista do Couto Neto manter contato com as pessoas que o denunciaram e testemunhas, e de se ausentar da Comarca por mais de cinco dias.
Em 12 de dezembro de 2022, a Justiça já havia proibido o médico de realizar cirurgias. A decisão se encerrou no dia 10 de junho. Treze dias depois, a medida cautelar foi renovada por quatro meses.
Relembre o caso
Couto é suspeito de ter causado a morte de 42 pacientes devido a procedimentos cirúrgicos e provado lesões em outros 114. Pacientes e pessoas que trabalharam com ele relataram excesso de cirurgias por dia, procedimentos desnecessários e até diagnóstico de câncer raro falso.
Ele foi alvo de uma operação policial em dezembro do ano passado, ocasião em que foram cumpridos mandados de busca e apreensão no hospital em que atuava, localizado em Novo Hamburgo, bem como no apartamento em que vivia na cidade. Na época, havia suspeita de envolvimento dele na morte de cinco pacientes e por ter causado sequelas em outros nove. Documentos, celulares e equipamentos de informática foram apreendidos.
Em fevereiro deste ano, João Couto se registrou no Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp). Na ocasião, o Cremesp confirmou estar ciente de que o médico enfrentava uma suspensão em sua licença, mas que “é obrigado a efetuar o registro do médico” por se tratar de uma restrição parcial.
Relatos de ex-pacientes
“Engoliu palito de dente”
Um paciente de 52 anos, que prefere não ser identificado, afirma que um pequeno desconforto no umbigo o levou ao consultório de João Couto Neto em um hospital em Novo Hamburgo. O tratamento de hérnia umbilical teve o acréscimo de uma retirada de pedra na vesícula. O homem foi liberado no mesmo dia. No entanto, em casa, ele disse que a recuperação foi um dos piores momentos da sua vida.
“Eu passei muito mal, uns dois dias, muito mal. Era vômito, vômito. Dor, muita dor. Dor que eu não desejo pra ninguém”, afirma.
Ele voltou ao hospital e foi submetido a uma nova cirurgia pelo médico. A companheira do paciente desconfiou da justificativa dada por Couto. O cirurgião teria sugerido que um palito de dente engolido poderia ter causado a lesão.
“Me perguntou se ele tinha o hábito de mastigar palito de dente, que ele poderia ter engolido um palito e ter furado. Eu disse que ele não tinha esse hábito”, conta.
Foi então que eles decidiram mudar de médico e de hospital. “Eu me desesperei, perdi a total confiança, até porque eu já ouvia de funcionários lá dentro me incentivando a trocar, porque a fama dele dentro do hospital não era boa”, diz a companheira do paciente.
“Tinha um câncer muito raro”
A motorista Simone Ferreira Campos afirma que foi operada há 11 anos pelo médico para retirar um nódulo no intestino.
“Retirou do meu intestino, segundo ele me falou quando eu voltei da anestesia, 10 centímetros para cima do nódulo e 10 centímetros para baixo do nódulo do meu intestino, pois eu teria um câncer muito raro que ele não saberia como tratar”, conta.
No entanto, após uma biópsia, foi comprovado que a paciente não tinha câncer.
“Veio como endometriose. Então, não tinha nenhum tipo de câncer, nenhum problema do meu intestino”, diz.
Fazia quase 30 cirurgias por manhã
Uma técnica de enfermagem que trabalhou no mesmo hospital que João Couto diz que o número de cirurgias diárias que o médico fazia chamava a atenção da equipe.
“Ele fez em uma manhã, 27 cirurgias, uma manhã só. Não é possível, porque teria que ficar parado esperando um paciente atrás do outro na mesma mesa. Não tem como, até porque a aparelhagem não é suficiente para isso, a instrumentação não é suficiente para isso”, afirma a profissional, que prefere não ser identificada.
Nota do Cremers
O Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul (Cremers) informa que o médico João Batista do Couto Neto (CRM 25387) está com registro regular junto à autarquia, podendo exercer atividade médica sem impedimentos.
As denúncias recebidas pelo Cremers estão sendo investigadas e, de acordo com o Código de Processo Ético Profissional (Resolução CFM 2306/2022), os procedimentos correm em sigilo.