Pároco de Franca (SP) pediu dispensa das obrigações sacerdotais e do celibato depois que descobriu que vai ser pai. Sociólogo diz que formação de família é um dos principais motivos para desligamentos.
Nesta semana, a Diocese de Franca (SP) informou que dispensou o padre Ferdinando Henrique Pavan Rubio das obrigações sacerdotais e do celibato depois que ele descobriu que vai ser pai. O pedido de dispensa partiu do próprio religioso, mas ele prefere não comentar o assunto.
Padre Ferdinando, que é de São José da Bela Vista (SP), já deixou todas as funções que exercia à frente da Paróquia Santa Luzia, em Franca, e deve agora, recorrer ao Vaticano para validar a dispensa, o que pode demorar até seis meses, de acordo com especialistas ouvidos pelo g1.
O Direito Canônico, que rege a Igreja Católica, diz que padres não podem ter relacionamentos amorosos nem se casar. A prática existe, pelo menos, desde o século 11. Na história contemporânea, foi reafirmado pelo Papa Pio XII (1939-1958) e no Concílio Vaticano, em 1965.
De acordo com o padre Antonio Elcio de Souza, reitor do Seminário Maria Imaculada, em Brodowski (SP), desde o começo da formação para o sacerdócio, a pessoa é orientada a viver o celibato, que é baseado em três aspectos:
Cristológico (temente a Jesus Cristo)
Eclesiológico (temente à igreja)
Escatológico (que significa o fim dos tempos, vida eterna)
“O celibato, para a igreja, sempre existiu como disciplina. Por que cristologicamente? Porque Cristo escolheu viver assim. Por que eclesiologicamente? Porque assim, ele tem dedicação total à igreja, está com o coração indiviso [pertencente unicamente] para toda a igreja. E por que escatologicamente? Porque ele acena àquela realidade do estado final ou celeste, que todos nós vamos assumir, de viver junto de Deus”.
Ainda de acordo com o reitor, a razão do celibato se fundamenta nestes três elementos.
“É uma dedicação total, um sinal que aponta para a vida junto de Deus, e porque Cristo quis viver assim”.
Por que padre não pode casar?
Em 1979, o Papa João Paulo II escreveu uma carta a todos os sacerdotes por ocasião da quinta-feira santa e reforçou os pilares do sacerdócio, entre eles o celibato. A reflexão se deu porque a data é simbólica para os religiosos em razão do sacramento da Ordem, que é quando homens são oficialmente tornados padres pela Igreja Católica.
“Fruto de equívoco — se não mesmo de má fé — é a opinião, com frequência difundida, de que o celibato sacerdotal na Igreja Católica é apenas uma instituição imposta por lei àqueles que recebem o sacramento da Ordem. Ora todos sabemos que não é assim. Todo o cristão que recebe o sacramento da Ordem compromete-se ao celibato com plena consciência e liberdade, depois de preparação de vários anos, profunda reflexão e assídua oração. Toma essa decisão de vida em celibato, só depois de ter chegado à firme convicção de que Cristo lhe concede esse (dom), para bem da Igreja e para serviço dos outros. Só então se compromete a observá-lo por toda a vida.”
Ao g1, o padre e sociólogo José Carlos Pereira explicou que um dos fatores principais para que eles sejam, de fato, proibidos de se casar é a questão da liberdade em poder servir.
“A medida em que o padre constitui uma família, se ele pudesse assumir o sacramento do matrimônio junto com o sacramento da ordem, ficaria preso a uma família, quando, na verdade, teria que estar livre para servir”.
Além disso, Pereira também aponta para a questão econômica, uma vez que padres são mantidos pelas igrejas.
“O padre é mantido pela igreja. Se ele tivesse uma família, a igreja também teria de manter essa família, se a família fosse numerosa, mais ainda. Então entra, por um lado, a questão econômica e, por outro lado, a questão da liberdade do serviço mesmo, de ele dedicar, exclusivamente, a essa questão do serviço à igreja”.
Celibato é dogma de fé?
Apesar de exigido, o celibato não é um dogma de fé, algo tido como indiscutível.
Para Souza, ele pode ser explicado muito mais como um regulamento da Igreja Católica.
“É uma disciplina da igreja. Por isso que, volta e meia, vem esse assunto à tona, porque não é um dogma de fé. Viver o celibato é uma condição, no caso, para o ministro ordenado”.
Viver em celibato é abdicar não apenas do casamento, mas também de qualquer relacionamento — sexual ou não — com outra pessoa.
Na Igreja Católica, a prática existe, pelo menos, desde 1075. E não deve ter quaisquer mudanças pelos próximos anos, como conta o reitor.
“Em nenhum momento o papa [Francisco] acenou para uma mudança, mesmo porque isso é uma disciplina da igreja. Todas as vezes que, até no Concílio, foi colocado isso, não se abriu mão da questão do celibato, porque entende-se o celibato justamente como um dom que foi dado à igreja e, nesses elementos cristológico, eclesiológico, escatológico, ele tem um sinal, indica algo. Por isso, é assumido como um dom que Deus deu à igreja, mesmo que não seja um dogma”, diz o reitor.
Celibato x castidade
Outro ponto que costuma confundir bastante é acerca do celibato e da castidade. Pereira explica que são duas coisas diferentes e que, por isso mesmo, os votos podem mudar dependendo da formação do sacerdote.
Padres seculares (ou diocesanos), por exemplo, fazem voto de celibato.
Já os padres regulares, que são padres religiosos, optam pela castidade. Eles pertencem à uma ordem ou congregação.
“O voto de castidade não pode ser rompido, então é um pouquinho mais complexo. O celibato é uma escolha que o padre diocesano faz para permanecer solteiro. Ele assume o sacerdócio [sacramento da ordem] e não o casamento [sacramento do matrimônio]. Um exclui o outro”.
Ainda segundo o sociólogo, caso a pessoa queria optar pelo segundo, precisa anular o primeiro.
“Uma vez que ele recebe o sacramento da ordem, não pode mais receber o sacramento do matrimônio, ou seja, não pode mais casar enquanto não sair a nulidade do sacramento da ordem, que é feito só por Roma [no Vaticano]”.
O sociólogo destaca também que não existe ex-padre. A pessoa pode até ser dispensada de suas obrigações sacerdotais, mas pode, eventualmente e, se necessário, dar a extrema unção, por exemplo.
Dispensa para constituição de família não é caso isolado
A dispensa do padre Ferdinando chama a atenção, mas não se trata de um caso isolado no Brasil. Pereira diz que casos como este acontecem com mais frequência do que se imagina.
Segundo ele, um em cada dez padres pedem o desligamento da Igreja Católica todo ano, por diferentes motivos. A abdicação ao celibato para constituir família é uma das principais causas, mas não a única.
O estresse, diz o sociólogo, também faz com que alguns sacerdotes optem por largar a batina.
“Existe uma grande cobrança dessa figura na sociedade, das pessoas, da hierarquia. Tem de ser perfeito 24 horas, qualquer deslize já é motivo para provocar um escândalo”.
A reportagem procurou a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e a Comissão Nacional de Presbíteros (CNP), mas nenhuma das duas organizações tinha dados específicos sobre o número de padres brasileiros que já pediram dispensa da Igreja Católica, independentemente do motivo.