Passados quase 120 dias desde que a Covid-19 começou a esparramar seu manto terrível pelo Brasil, o que os brasileiros mais querem saber é se os efeitos nefastos da doença já estão ficando para trás. No campo da economia, a resposta é um esperançoso “sim”. Por que “esperançoso” e não “convicto” ou “definitivo”? Porque essa confirmação, que só teremos com o passar do tempo, depende de uma variável fora do domínio econômico: a situação da saúde no país. Antes de falar de indicadores que alimentam a expectativa positiva, vamos olhar alguns números que retratam o que pode ter sido a fase mais aguda da crise econômica provocada pela pandemia. Na semana passada, o Banco Central e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística apresentaram indicadores do desempenho das atividades em abril. O dado mais amplo é o IBC-BR, sigla que representa uma estimativa que o Banco Central faz todo mês do produto interno bruto, que o IBGE só calcula trimestralmente. O IBC-BR teve uma queda de 9,7% em abril em relação a março, quando já havia apresentado retração de 6%.
Dados setoriais divulgados pelo IBGE corroboram o IBC-BR. O do varejo caiu quase 17%, a pior redução já vista – e esperada, porque grande parte das lojas teve de ficar de portas fechadas, obedecendo às regras de isolamento no combate à pandemia. Até setores que haviam crescido em março, como supermercados e farmácias, venderam menos em abril. O IBGE também apresentou o indicador dos serviços – o conjunto de atividades que gera três quartos do PIB. Os serviços igualmente bateram recorde negativo: um volume quase 12% menor em abril. Com esses dados sem precedentes, então, abril de 2020 provavelmente ficará marcado como o pior mês que já vivemos no Brasil em termos de indicadores econômicos nas últimas décadas.
Sinais positivos nas atividades
O que permite arriscar a conclusão de que abril corresponderá ao “fundo do poço” é o fato de que, em maio e no início de junho, alguns indicadores preliminares – como produção de embalagens, movimento de cargas nas estradas, parte da produção industrial – já foram um pouco melhor. No campo, a agropecuária se mantém firme, com a supersafra de 250 milhões de toneladas de grãos e com a exportação de vários itens, como soja e carnes, faturando bem. Além disso, na quarta-feira, 17, o Comitê de Política Econômica do Banco Central cortou a taxa básica Selic de 3% para 2,25% ao ano, e deixou abertura para mais redução. A Selic mais baixa anima negócios na Bolsa de Valores – há várias empresas lançando papeis e preparando abertura de capital – e alivia o governo, diminuindo o pagamento de juros de sua dívida.
Esse cenário, porém, não está completo. A economia vista como um todo – o consumo, o varejo, a maior parte da indústria e dos serviços – ainda está muito anêmica. O desemprego aumentou e dezenas de milhões de pessoas – ao menos metade da população brasileira – estão sobrevivendo às custas do auxílio emergencial do governo, agora na expectativa de uma extensão, com mais dois pagamentos mensais. E a situação das contas públicas ainda está se agravando com a necessidade de soltar dinheiro para ajudar cidadãos, empresas, governos estaduais e prefeituras.
Saúde: o preço da falta de liderança
A variável mais descontrolada, porém, continua a ser a da saúde. Fruto da conturbação política, o setor, em plena pandemia, segue padecendo do negacionismo e da falta de coordenação emanada do governo central. O nosso modelo federativo, com descentralização de decisões, não pode ser considerado o culpado pelo desencontro de ações. Outros países em que resoluções quanto a medidas de isolamento, por exemplo, foram delegadas a governos regionais e municipais apresentam respostas bem mais coordenadas e, com isso, mais eficazes, no combate à doença. Aqui, o símbolo mais eloquente da falta de liderança nas ações é a situação sacramentada no Ministério da Saúde. Em plena pandemia, o ministério passou por duas trocas sucessivas de ministro e o atual é considerado um interino – um interino fixo, mais uma novidade nacional. Ainda por cima, é um militar sem formação em medicina ou em gestão da saúde, e que levou com ele uma tropa de auxiliares que substituíram em muitos postos-chave os especialistas que atuavam no ministério.
É praticamente como se o governo abrisse mão de ter um Ministério da Saúde no momento em que o país mais precisa desse órgão. Em lugar dele, o que há é uma repartição com a cúpula ocupada por militares. Sua principal característica é serem bons soldados, obedientes às ordens do chefe supremo, o presidente da República. Haja vista a fracassada tentativa de mudar a forma de apresentação pública dos dados sobre a doença. Abandonando um modelo de contabilidade adotado internacionalmente, o que se pretendeu foi deixar de dar informações que apontassem o crescimento explosivo dos números de contaminados e mortos no país. Diante da reação que a mudança para a opacidade causou, tiveram de recuar.
Em meio à também aguda crise política, renovada nos últimos dias com o caso Queiroz/Wassef/Flávio Bolsonaro, parece pouco importar ao governo o que se passa no Ministério da Saúde, um canto da Esplanada agora devidamente neutralizado, e as questões do combate à pandemia. O resultado é uma tremenda insegurança. Mesmo países que foram mais diligentes no combate ao vírus estão promovendo retornos cautelosos, para evitar o que seria uma segunda onda de proliferação de casos de infecção. O Brasil, sem liderança nacional na área, está mais exposto ao risco de uma recaída. O preço, nesse caso, será ainda mais alto para os brasileiros, tanto na saúde como na economia. Na hipótese mais extrema, a resposta à pergunta inicial, infelizmente, seria um “não”.
*Beto Caetano é comentarista de economia e negócios da Jovem Pan.