Confesso que não sou muito fã de agregados monetários (base, M1, M2, etc.) e, para ser absolutamente sincero, nem costumo segui-los. Num mundo em que o instrumento de política monetária é (tipicamente) a taxa básica de juros, como a Selic, ou a Fed Funds, os agregados têm pouco a dizer sobre a postura dos Bancos Centrais.
No entanto, houve um desenvolvimento curioso nos últimos meses – na verdade, a partir do segundo trimestre deste ano: o volume de papel-moeda em poder do público subiu consideravelmente, conforme ilustrado pelo gráfico abaixo.
Os valores já estão corrigidos pela inflação e ajustados à sazonalidade (normalmente há picos no final de cada ano). Estimei, além disto, a tendência de janeiro de 2002 a dezembro de 2019, extrapolada para os primeiros oito meses deste ano.
Como se vê, após anos de virtual estabilidade (ao redor de R$ 200 bilhões), o volume de papel-moeda em poder do público saltou bruscamente e, em agosto, se encontrava, em termos dessazonalizados, em R$ 293 bilhões (o dado observado no mês era R$ 286 bilhões).
Não, não pretendo alertar sobre perigos inflacionários iminentes, mas sim notar uma faceta pouco explorada do auxílio emergencial criado pelo Congresso.
Essa transferência se destina principalmente à parcela mais pobre da população, justamente aquela com menor acesso a serviços bancários, e que, portanto, acaba usando o dinheiro em espécie tanto para suas compras (porque não tem conta corrente), como para carregar esses recursos ao longo do tempo (porque não acessa produtos bancários).
Entre abril e julho, último dado oficial disponível, as transferências, já considerada a migração do Bolsa-Família para o auxílio emergencial, atingiram liquidamente R$ 196 bilhões (R$ 49 bilhões/mês).
Já o estoque de papel-moeda em poder do público aumentou em R$ 66 bilhões no mesmo período (R$ 73 bilhões se incluirmos os números de agosto). Acredito que isto nos dê uma medida de quanto foi poupado do auxílio emergencial.
De fato, me parece provável que a maior parte dos recursos gastos no período, originalmente na forma de papel-moeda, já tenha se transformado em depósitos, pois quem recebe estes recursos costuma ter conta em banco.
Supermercados, lojas de material de construção, farmácias e postos de gasolina (todos setores do varejo que já retomaram os níveis de vendas de fevereiro) recebem pagamentos em papel-moeda, mas o convertem em depósitos, por motivos tanto de segurança como conveniência.
Isso obviamente não é verdade em 100% dos casos, mas, como regra, o aumento do estoque de papel-moeda no período deve refletir em larga medida recursos que ainda não foram gastos pelas famílias beneficiadas com o auxílio.
Parece haver, assim, um “colchão” de liquidez que deve ajudar o consumo mesmo quando o auxílio for reduzido nos próximos meses e eliminado até o final do ano.
Dificilmente irá repor, é verdade, o volume do auxílio (que, anualizado, rodaria pouco abaixo de R$ 600 bilhões, ou 8,2% do PIB), mas deve moderar o impacto do fim do programa, em linha com a visão de uma economia em recuperação, embora lenta, a partir do final de 2020, voltando aos níveis pré-crise apenas em meados de 2021.
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