SÃO PAULO — O Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) decidiu ontem (16) manter a taxa básica de juros, a Selic, em seu menor patamar histórico, de 2% ao ano. A decisão colocou fim a um ciclo de cortes que havia sido iniciado em julho de 2019, quando a taxa era de 6,5% ao ano.
A decisão ficou em linha com que os economistas esperavam e a avaliação, no geral, é de que o comunicado continua reforçando um forward guidance de que os juros vão continuar baixos por bastante tempo. Mas a preocupação fiscal torna o cenário bastante incerto.
“A questão fiscal é a origem dos nossos problemas”, disse Elisa Machado, economista-chefe da ARX Investimentos, em live do InfoMoney (assista acima). “A gente já não vinha numa situação confortável. Todo esse arcabouço de apoio à população por conta do coronavírus levou a relação dívida/PIB para 100%, que é uma relação altíssima mesmo quando a gente compara com outros emergentes.”
Segundo a economista, “o incômodo vem da percepção de que as coisas não andam”. Ela citou que tem observado bastante a PEC do Pacto Federativo. “A gente está vendo o final do ano chegando, o Orçamento chegando, e essa tramitação está muito lenta”, disse.
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A economista sênior da LCA Consultores, Thaís Zara, também enfatizou a questão fiscal. “Não é à toa que fizemos a Reforma da Previdência. Não é à toa que estabelecemos o teto de gastos”, disse. “Com a pandemia, a situação apenas se agravou. O que era difícil, que era o cumprimento da meta, vai ficando cada vez mais complicado.”
Thaís citou a dificuldade de o governo conseguir encaixar programas como o Renda Brasil no Orçamento. “Neste momento, os financiadores do governo, os investidores que compram os títulos do governo, acabam pedindo juros mais elevados. Por isso, a gente vê essas perspectivas de elevação de juros que não são compatíveis com o forward guidance que o Banco Central colocou.”
As duas economistas concordam que os juros devem seguir em 2% ao ano até dezembro, e devem voltar a subir em meados de 2021, gradativamente. Para a LCA Consultores, a Selic deve encerrar o próximo ano em 2,5% ao ano. Mas isso vai depender de uma série de fatores, inclusive sanitário, com a evolução da pandemia de coronavírus.
A equipe de análise do Bradesco BBI destacou que o comunicado do BC na decisão de ontem foi praticamente o mesmo da reunião de agosto. “Se na época da última reunião (5 de agosto) havia alguma expectativa de novo corte, a estimativa de aceleração da inflação de alimentos deixou ainda menos espaço para novos estímulos no curto prazo”, avaliou o banco.
“De fato, o BC agora enfrenta um cenário de grande incerteza, com grande parte da forte recuperação da atividade econômica observada até o momento sendo ameaçada pelo fim do auxílio emergencial por parte do governo no final do ano — ou com a consolidação fiscal sendo ameaçada pela possibilidade de postergação do fim de tal medida.”
O banco afirmou que, com certeza, qualquer decisão futura em relação aos juros dependerá do ritmo da recuperação econômica pós-pandemia do Brasil, bem como da confiança dos investidores em relação à sustentabilidade fiscal à luz do enorme déficit primário este ano. “Por enquanto, mantemos nossa estimativa para a taxa Selic do ano 2020 em 2%”, disse.
O economista Alberto Ramos, do Goldman Sachs, também acredita que a Selic ficará em 2% até o fim de 2020 — e isso deve se estender por todo o primeiro semestre de 2021.
“Manter a taxa de juros em 2,00% justifica-se em função de: preocupações persistentes com relação à dinâmica/volatilidade cambial e fluxos de conta de capital, pressões de portfólio entre fundos de renda fixa, riscos fiscais significativos de médio prazo não resolvidos, postura fiscal de curto prazo altamente e cada vez mais expansionista, a postura de política monetária sem precedentes e acomodatícia e, por último, mas não menos importante, o fato de a economia estar respondendo bem aos estímulos fiscais-monetários-creditícios já realizados”, disse.
O economista do Goldman destacou que, antes de considerar a adição de novos estímulos, o Copom provavelmente vai querer observar e monitorar como o mercado financeiro e a economia se ajustam ao novo ambiente de baixas taxas nominais e reais recordes. “A trajetória da taxa de juros provavelmente será significativamente influenciada pela dinâmica da reforma orçamentária e fiscal”, completou.
Inflação
Para Julio Cesar Barros, economista da MAG Investimentos, o BC passou a considerar que o ambiente externo está relativamente mais favorável para as economias emergentes. Já em relação à atividade, disse, a autoridade identifica uma recuperação parcial, com o setor de serviços concentrando maior ociosidade de seus fatores de produção.
“Como esperado, o BC manteve tanto o forward guidance como os seus condicionantes. Além disso, comunicou que já espera que a inflação se eleve no curto prazo, refletindo os movimentos de alto dos preços dos alimentos. Consideramos um tom levemente dovish ao mostrar reduções das projeções de inflação no cenário híbrido (que considera um câmbio mais depreciado e menos juros do que constava no focus da reunião anterior) para os anos de 2021 e 2022. Portanto, manteve o entendimento de que a inflação segue confortável e que o principal risco reside no quadro fiscal”, disse.
Já Alexandre Espirito Santo, economista da Órama, acha que o comunicado do BC foi um pouco mais hawkish do que o usual e sugere que esse ciclo de queda iniciado em 6,5% provavelmente se encerrou nos atuais 2% e novas reduções são pouco prováveis e condicionados à questão fiscal.
“Como sempre, o Comitê manteve sua postura de enfatizar muito fortemente a importância das reformas econômicas, salienta a questão de voltarmos a apresentar variáveis fiscais sob controle, que sejam condizentes com uma política monetária convergente com as metas de inflação estabelecidas no horizonte relevante de 2021 e 2022. Em suma, a decisão foi, a nosso juízo, correta e absolutamente dentro do que esperávamos”, disse.
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