SÃO PAULO – O envelhecimento da população dos países ocidentais tem sido tema de debates e estudos há um bom tempo, e seus desafios são amplamente conhecidos. Mas e a China? É hora de se preocupar com a demografia do país mais populoso do mundo?
Na avaliação da equipe de análise do banco Credit Suisse, sim. A instituição destaca que, diferentemente dos baby boomers do Ocidente, nascidos entre 1946 e 1964, o gigante asiático passou por essa fase na década de 1960, quando cerca de 245 milhões de chineses nasceram, mais do que em qualquer outra década de sua história.
Agora, a população chinesa dessa geração está se aposentando e, quando se trata de um movimento que envolve essa quantidade de pessoas (superior à população inteira do Brasil) a expectativa é de grande impacto para a economia global.
O Credit destacou esse movimento como uma das questões mais importantes que a China enfrentará na próxima década, apontando em relatório as novas tendências para a economia do gigante asiático com essa transformação.
Em relatório assinado pelo economista Edmond Huang, o banco expõe os resultados de uma pesquisa realizada com 1.500 chineses dessa faixa etária e revela que os baby boomers do país são mais ricos, mais confiantes e mais predispostos a pagar preços maiores por produtos e serviços de qualidade do que as gerações anteriores.
“Beneficiados pela melhora na educação, pelas reformas capitalistas e pela entrada na [Organização Mundial do Comércio] OMC, essa geração costuma fazer mais viagens internacionais, gastar mais em serviços de saúde de qualidade e a buscar mais entretenimento, além de prestarem mais atenção em bem-estar corporal”, destaca o relatório.
De acordo com a pesquisa, em torno de 36% dos boomers chineses planejam aumentar os gastos com saúde depois de se aposentarem e 16% estão dispostos a buscar tratamentos médicos em outros países.
Dessa forma, afirmam os analistas, os setores que mais devem ser alavancados pelo envelhecimento dessa geração chinesa são os de turismo, roupa esportiva, e-commerce, imóveis, saúde e financeiro.
“A China experimentou um rápido crescimento da riqueza nacional com o PIB per capita saindo de US$ 2.100 para US$ 10.000 nos últimos dez anos. Conforme as pessoas se tornaram mais ricas e conseguiram sanar suas necessidades básicas como alimentação e vestuário, elas tendem a aprimorar seus estilos de vida”, diz a equipe de análise do banco suíço.
No caso do turismo, a pesquisa do Credit revelou que a atividade que os boomers chineses mais querem fazer depois da aposentadoria é viajar, sendo citada por quase 50% das pessoas que responderam ao questionário. Relaxar e cuidar dos netos ficam em segundo e terceiro lugar, cada uma com perto de 10% das respostas.
Esse dado se combina com uma informação do site Trip.com de que os chineses nascidos entre as décadas de 1950 e 1960 têm o mais elevado gasto com viagens de todos os grupos etários do país, superando em 25% o que gastam as gerações nascidas nas décadas de 1980 e 1990.
Além disso, os entrevistados que tinham entre 49 e 60 anos de idade disseram esperar fazer em média 6,3 viagens por ano quando pararem de trabalhar, contra 3,5 viagens feitas pelos aposentados chineses atualmente.
Grande parte desse turismo deverá ser internacional, pois, apesar de apenas 19% dos respondentes nascidos nos anos 60 terem viajado para outros países, em torno de 50% planeja fazer isso quando se aposentar.
Há também oportunidades no setor de saúde: na visão do Credit Suisse, o governo chinês precisará elevar o financiamento para o sistema público. Em 2017, o investimento em saúde pública foi de 9,7% dos gastos do governo, frente a 24,4% nos Estados Unidos, 19,8% no Japão e 13,5% em Singapura.
Deste modo, é de se esperar mais compras de equipamentos de ressonância magnética, ventiladores mecânicos, máquinas de hemodiálise e outros equipamentos utilizados em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs).
Ao mesmo tempo, o banco central chinês tomou uma série de medidas recentemente para criar um ambiente mais favorável para o desenvolvimento de um sistema de saúde privado.
É justamente atrás desse sistema privado que vão os baby boomers, que esperam por tratamentos de alta qualidade. Segundo a pesquisa, 39% dos entrevistados não acreditam que os planos existentes atendam às suas necessidades.
Desafios com a Previdência
Se há oportunidades, por outro lado, há muitos desafios no radar. A equipe de análise do Credit entende que o sistema previdenciário chinês não está preparado para um contingente tão grande de aposentados. Na década de 1960, a expectativa de vida na China era de 44 anos, número que pulou para 77 anos em 2018.
A Previdência na China tem três pilares: um sistema básico de seguro patrimonial complementado pelo Fundo de Previdência Social; um seguro de doação suplementar, que inclui anuidade empresarial; e um seguro patrimonial individual.
O seguro do sistema básico é o mais importante destes e é administrado pelos governos locais. O Fundo de Previdência Social Nacional, criado em 2000, e que suplementa o sistema básico, é financiado pelo orçamento central do governo, por transferências de capital de empresas estatais e por ganhos de investimento.
Em 2018, o seguro patrimonial básico representava 59% da poupança para aposentadoria da China, enquanto o Fundo de Previdência Social respondia por 24% e as anuidades empresariais, por 17%.
A China teve seu primeiro déficit na Previdência registrado em 2014, desconsiderando os subsídios governamentais e outras receitas. Os fundos de pensão subsidiados pelo governo devem ter, segundo estimou o banco suíço, déficits de 118 bilhões de Renminbi (ou US$ 17,7 bilhões) em 2028, atingindo 11,3 trilhões de Renminbi (US$ 1,69 trilhão) até 2050.
Com o envelhecimento da população, a tendência é que esse primeiro pilar da Previdência chinesa tenha cada vez mais problemas. A taxa de reposição previdenciária, que mede o percentual da renda do trabalhador mantido na aposentadoria, média em países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é de 75%, enquanto a China já está em apenas 44%.
Por isso, os analistas do Credit Suisse preveem que o terceiro pilar previdenciário, o do seguro patrimonial individual, deva ter um papel cada vez mais importante na China no longo prazo. “Nós acreditamos que o mercado de previdência privada chinês ainda é largamente subdesenvolvido”, defende a equipe do banco.
Os analistas lembram que a China busca melhorar seu sistema previdenciário expandindo as fontes dos fundos e melhorando os retornos deles por meio de alocações no mercado de capitais. Ao mesmo tempo, a Comissão Regulatória de Ativos da China está avançando com reformas para levar capital de longo prazo ao mercado de ações, elevando o teto dos investimentos.
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